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Mostrando postagens de 2020

O Agricultor, a Semente, o Broto e a Voz

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O Guapuruvu  ( Schizolobium parahyba),  é uma árvore nativa da mata atlântica, e sua semente, tão dura quanto uma pedra, pode demorar muitos meses para germinar. A futura árvore, em estado potencial no interior do seu invólucro, de alguma forma  obedece plenamente a uma  sábia voz interior, determinando o momento do fim da dormência e o princípio do processo de germinação, quando a sorte é finalmente lançada, sem possibilidade nenhuma de retorno  —  isto não é uma afirmação atestada por rigorosos padrões científicos.  "Aguarde mais um pouco, agora é inverno", diria a voz para a árvore virtual; "este ano teremos um grande período de seca, não germine ainda", continua soando a voz, ou ainda "você está em um terreno pedregoso, aguarde o andar dos acontecimentos." A semente confia plenamente na sua voz interior, e permanece adormecida, confortável e segura, tal como uma criança no colo de sua amada genitora  — em decorrência do silêncio das crianças,  as mães

A Criança Interior e o Agricultor Urbano

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Tenho alma de agricultor, porém, nasci, fui criado e educado em cidades cercadas de casas, prédios, ruas asfaltadas, viadutos... apesar de tudo isto, o agricultor em mim jamais me abandonou, então, com o passar do tempo e a pertinaz insistência do homem da terra, acabei transformando-me em um Agricultor Urbano.  Hoje, dia de Natal, acordei cedinho;  um pouco antes de pegar minhas ferramentas,  vi lá uma certa criança num canto da casa. Ela olhava com olhar distante a chuva tamborilando na vidraça da janela, e seu olhar era um olhar distante, um olhar de saudade e de vazio. Cheguei devagarinho perto dela e toquei na janela, e ao tocar, ela olhou para mim. "Vamos lá fora brincar na terra criança!", disse eu. "Eu gosto da chuva e da terra", falou a criança; "eu também gosto", respondi para ela, enquanto saíamos juntos em direção ao quintal, acompanhados pelo meu fiel vira lata Tição. "Eu gosto de quintal e de cachorro vira lata", comentou a criança 

Domingo No Parque

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Era uma vez um domingo, um menino com saudades do pai distante, e um parque de diversões; naquele final de tarde ele finalmente iria até lá. Naquela época, no local onde vivia o menino dinheiro era algo muito raro de encontrar, muito difícil de ganhar, e muito fácil de gastar. Mas finalmente o menino tinha em mãos três dinheiros: O dinheiro de ida no lotação até o parque; o dinheiro para brincar em um dos inúmeros brinquedos, e o dinheiro de volta para a sua casa na condução — os contemporâneos do menino chamavam o ônibus de lotação ou condução. O desejo do menino era gastar todo o dinheiro nos brinquedos, mas o parque era longe, então, já no lotação quase vazio e, com um dinheiro a menos no bolso, ele ia pensando em todos aqueles maravilhosos brinquedos, já brincando mesmo com cada um deles em sua fértil imaginação. Vinte minutos depois e com dois dinheiros no bolso, o menino estava no parque, e no parque música, balões coloridos, pessoas falando por todos os lados e ao mesmo tempo, a

Os Baldes da Esperança

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De vez em quando, nas suas andanças, o Agricultor costumava encontrar pelos seus  públicos bosques velhos baldes comumente utilizados na construção civil  —  baldes sem alças, com alças, inúteis, rachados, furados, desprezados, abandonados... Para muitos aquilo não servia para nada, mas o Agricultor recolhia-os, um por um. Vozes mudas  — se existe um Agricultor Urbano invisível  e anônimo, não é improvável então a existência de mudas vozes  —  olhando aquela cena corriqueira e insólita diziam: "Ele não é muito certo da cabeça; ele gosta de juntar entulho; ele não tem nada mais interessante para fazer; ele é muito estranho; ele deve trabalhar com plástico reciclado...". Um dia, notando tudo aquilo, enquanto brincava na praça próxima ao bosque, uma criança comentou com a sua mãe: —   Mamãe, o Agricultor não chuta os baldes! lá vai ele com os seus velhos baldes cheios nas mãos. A mãe observou a cena e não comentou absolutamente nada; cada um daqueles velhos baldes eram posterio

O Agricultor e a Foice

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Naquela manhã de sábado, como de costume, o Agricultor Urbano estava ceifando o capim a fim de plantar algumas árvores; seus vira latas estavam presentes, como sempre, mas neste dia ele também foi agraciado pela presença de uma vaca de olhar profundo e amistoso, que ficou por ali pastando o seu capim em paz. A hora avançava, quando finalmente passou um curioso cidadão pela rua próxima e, detendo-se, ficou observando o Agricultor com sua foice na mão, na companhia de seus próprios vira latas e da vaca alheia. Aquele homem já reparava no trabalho solitário do homem do campo por muito tempo, e estava muito desejoso de conhecer um pouco mais a respeito da natureza mental dele, pois considerava sua lida solitária em áreas públicas algo um tanto o quanto insólito — quem sabe problemas psiquitriaticos graves? — Bom dia senhor Agricultor... — Bom dia senhor... — respondeu mansamente o Agricultor. — Poço fazer lhe uma pergunta? — Sinta-se a vontade... — O que te faz muito feliz? A resposta foi

O Agricultor Urbano Nos Tempos da Pandemia

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Um jornalista da agência Reuters publicou na manhã deste domingo uma foto, afirmando que finalmente conseguiu fotografar o jamais visto Agricultor Urbano. Segundo o jornalista, a foto foi tirada bem cedo, nas proximidades de uma mata onde todos dizem que vivem o anônimo agricultor. Caso seja confirmada a veracidade da foto e do fato, o jornalista passa a ser um grande candidato a  receber o próximo Prémio Pulitzer. Segundo o jornalista, após ser fotografado, o homem e o cão que estava em seus braços correram em disparada para dentro da mata  —  sofreria o Agricultor Urbano de fobia social?  As controvérsias já começaram... Os especialistas de todo o mundo afirmaram categoricamente, que todos os estudos comprovaram que nas supostas aparições, o desconhecido Agricultor sempre apareceu acompanhado de três cães no seu entorno, e não apenas com um no seu colo  —  seria o Agricultor um urbano cuidador de cachorro vira lata? Policiais americanos ao analisarem a foto, perceberam indícios de qu

O Agricultor Urbano e a Erithrina Verna

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Naquela tarde de sábado, tendo terminado a sua lida pelo campo, o Agricultor Urbano parou sua caminhada de volta para sua casa, e então, passando por uma  Erythrina Verna no seu caminho,   admirou com olhar de contentamento lá no alto a sua copa, e no seu ato de contemplar refletiu:  "Como demorou a florir esta árvore... Um dia veio o fogo e a queimou de cima a baixo, restando dela somente as raízes. Então, como a Fênix, ela conseguiu renascer das próprias cinzas, e agora é uma árvore bonita e muito alta. Com suas flores avermelhadas vieram os beija-flores, as maritacas, muitos outros pássaros e uma grande quantidade de sementes. A Erythrina, na sua saúde, não guardou pelo fogo nenhum ressentimento, pois ressentimentos são coisas dos egos humanos, e não das árvores que crescem confiantes servindo a Deus, independentemente de quaisquer circunstâncias". Assim refletiu o Agricultor Urbano  pelos caminhos por onde pisavam as suas botas , ao o bservar com alegria e gratidão, sob o

A Criança, o Velho Manuscrito e a Linguagem do Coração

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Aquele manuscrito exposto em um museu, havia sido encontrado em alguma caverna nas proximidades do mar morto, e por décadas, nenhum arqueólogo, bem como nenhum outro ser vivente, havia ainda conseguido traduzi-lo.  Numa certa tarde, num grande esforço mundial, todos os grandes sábios do mundo foram chamados para tentar desvendar o grande enigma do manuscrito; tudo em vão, ninguém conseguiu ler aquele documento desbotado e amarelado. Então, aconteceu algo inusitado; um velho arqueólogo havia levado para a conferência um de seus netos, que era uma criança. Quando todos estavam desanimados pelo fracasso generalizado na tentativa da tradução, a criança foi até o documento, olhou para ele, olhou para o seu avô e os demais, e disse: —   Vovô, eu consigo ler o que está escrito aqui. O Avô, que era sábio, ao ouvir aquilo não ficou constrangido, apenas sorriu, e sorrindo, disse ao neto: —   Em que língua está escrito criança? —   Está escrito na linguagem do coração vovô. —   Por favor, leia en

A Criança, O Discípulo e o Mestre

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Tarde de um sábado de inverno em uma sala de estudos na escola da vida; o discípulo já estava presente, e a aula estava prestes a começar. Instantes depois serenamente chegou o mestre,  trocando um profundo e amável olhar com o seu aprendiz; o livro foi aberto, e silenciosamente as lições começaram. Algum tempo depois, acompanhado por uma criança,  passa alguém pelas proximidades da sala, que observa então no interior desta um homem debruçado sobre um livro, lendo atentamente cada palavra  —   devia ser algum aluno  —   e ele estava só. Este alguém, ainda com a criança ao seu lado, passa ainda mais uma vez poucos instantes depois, e observando novamente a sala, nota o mesmo homem transmitindo amorosamente conhecimentos para alguém  —  devia ser algum mestre  —    e ele estava só. Sua mente ficou então confusa, e na confusão ele indagou: —    Como pode ser isto meu Pai do céu? O mistério foi resolvido pela criança ao seu lado: —  Estou vendo um homem estudando na sala; estou vendo o mes

Uma Crônica Sem Palavras

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Naquele primeiro domingo de inverno, o Moço das letras tentava escrever uma crônica, mas por mais esforço que fizesse, nenhuma ideia ocorria-lhe na mente; estariam as palavras fazendo greve? Em determinado momento, ele ouviu uma voz que vinha de dentro, a voz de sua Criança Interior, e a voz, sem palavras, disse para ele: "Procure pelo seu amigo, o Agricultor Urbano, que através dele você escreverá no dia de hoje uma crônica sem palavras". O Moço das Letras confiava sempre naquela Criança, mas daí a escrever uma crônica sem palavras soava estranho para ele; mais por saudades do velho amigo, do que propriamente pela intuição interior, ele resolveu efetivamente visitar o Agricultor Urbano. Então, como sempre fazia, seguiu simplesmente o rastro verde deixado pelo seu amigo ao longo do caminho, até finalmente chegar à casa dele, naquela colina verdejante onde, a cada metro e meio de distância podia tocar-se em uma árvore ou mais.  Num primeiro momento ele não encontrou seu amigo

O Menino, o Homem e a Amendoeira

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Era uma vez um menino, que no outono ficava olhando com encanto a sua vizinha varrendo as folhas da amendoeira que caíam no quintal, muitas e muitas folhas. O encanto era tão somente do menino, pois sua vizinha não gostava daquelas folhas, que todos os anos sujavam toda a frente de sua casa  —  aquilo era um grande desencanto para ela. O menino não sabia se gostava mais do outono, ou das folhas de outono, ou ainda da própria amendoeira, que era belíssima e muito alta. Então, ele desejou um dia poder também varrer folhas de uma árvore como aquela nas proximidades de sua casa.  Cinquenta anos depois, quem passasse por aquela rua no alto de um morro, nos meses de outono, muitas vezes observava um homem contente da vida, com sua vassoura de piaçava nas mãos, varrendo carinhosamente enormes quantidades de folhas da amendoeira do seu vizinho do lado. Cada uma daquelas folhas seriam levadas para a mata próxima, onde seriam utilizadas como fertilizante natural. Aquele homem entrando no outono

O Agricultor Urbano e o Ramo de Primavera

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Era um dia de verão, e o Agricultor Urbano, como qualquer cidadão comum, andava tranquilamente pela ruas. O calor era tanto que era possível observar a olhos nus o vapor subindo do asfalto, onde a temperatura deveria estar beirando os 50 graus. O Agricultor não dava muita importância àquelas elevadas temperaturas, ele não tinha em suas mãos o menor poder para mudar aquilo, mas olhando pelo chão, observou algo que deteve os seus passos: Um pequeno galho de um arbusto lenhoso de médio a grande porte, sem tamanho definido, de muitos ramos, espinhento, e em função de sua exuberante beleza, cultivado no mundo inteiro pelas sua inflorescências coloridas. Com a sua vivência no campo ele sabia que estava diante de um ramo de Primavera (Bougainvillea spectabilis).  O Agricultor notou então pelos ferimentos, que o pobre do ramo já havia mesmo sido atropelado por algum automóvel, e percebendo a seiva que, como lágrimas rolavam pelo asfalto, constatou que a planta ainda estava viva. Como naquela

A Aljava, a Flecha, o Arco, o Arqueiro e a Presa

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Ao longe, como expectador, observo um quadro distante de mim... O habilidoso arqueiro saca de sua aljava uma flecha, retesa ao máximo o seu arco, aponta para a presa distante e dispara; a flecha mortífera voa vertiginosamente pelo espaço em um movimento parabólico, e certeira e impiedosamente atinge a sua presa. Aquela imagem causa-me indignação; aproximo-me do quadro e observo o arqueiro; sinto por ele raiva e desprezo; caminho agora em direção a sua pobre presa contorcendo-se em dores no chão; sinto por ela uma profunda compaixão;  Afasto-me do quadro em total desequilíbrio emocional; maldita aljava; maldita flecha; maldito arco; maldito arqueiro; sinto a profunda dor da indefesa presa.  Sou impelido por uma voz interior e imperiosa que vem de dentro de mim:  — Volte e olhe novamente! Aproximo-me e observo atentamente cada detalhe daquele quadro; sou eu a aljava; sou eu a flecha; sou eu o arco; sou eu o arqueiro; sou eu a indefesa presa. De perto, com

O Agricultor Urbano e o Sorriso do Olhar

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O fato aqui narrado ocorreu há muitos anos; foi na época da grande pandemia mundial do coronavírus, período em que todas as pessoas precisavam sair de suas casas de máscara, a fim de evitarem o contágio.  O Agricultor Urbano naquele dia precisou abandonar sua enxada e seu campo, suas perneiras e suas botas, e ir até a loja de produtos agropecuários comprar ração para os seus três vira latas.  Saiu ele então de sua casa, devidamente mascarado e sem suas perneiras e suas botas  —   evento muito raro  — , e enquanto andava pelas ruas, procurava sempre manter uma distância de mais ou menos um metro e meio das pessoas que o circundavam. Chegando à loja, aguardou pacientemente na fila do lado de fora desta; naquele dia ele não poderia entrar e conversar com os seus amigos que trabalhavam ali; naquele dia ele não poderia namorar as ferramentas; naquele dia ele não poderia admirar as botas nas prateleiras; naquele dia ele não poderia tocar nos grãos; naquele dia ele não poderia sentir a

O Agricultor Urbano e o Seu Ego Falante

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Era uma fria manhã de outono, e o Agricultor Urbano, como de hábito, havia levantado muito cedo a fim de cuidar de suas amadas árvores. Ele não estava solitário na cozinha, pelas imediações, como costumeiramente, seus vira latas aguardavam ansiosamente o momento de partirem para o campo. Seu habitual silêncio — o Agricultor Urbano era de pouquíssimas palavras — e seus solitários pensamentos foram interrompidos pela visita do seu velho Ego Falante, que entrou sem mesmo ser convidado, como já era de praxe. — Bom dia Agricultor! — falou o seu velho Ego falante. — Bom dia Ego Falante — respondeu silenciosamente o Agricultor, enquanto esperava a fervura da água do seu café. Enquanto a água não entrava no seu natural processo de ebulição, as palavras de seu Ego Falante já estavam quase em estado de efervescência... — Agricultor, Agricultor... hoje particurlamente está muito frio, e você tem trabalhado muito nos últimos dias. Suas mudas já foram todas plantadas na primavera e

Os Caminhos do Agricultor

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O Agricultor Urbano, naquela luminosa manhã de outono, acompanhado pelos seus vira latas Miúda e Tição, fazia um aceiro, a fim de proteger suas amadas árvores das prováveis queimadas de inverno. Enquanto seus amigos ficavam ali deitados no capim, degustando o sol matinal, ele, de forma silenciosa e vigorosa, manejava com destreza sua enxada, e enquanto carpia o capim do solo, do chão de sua mente brotavam, não árvores, mas felizes pensamentos de liberdade: "Existe dentro de mim um inequívoco e singular caminho. Caso eu siga por ele, meus pés certamente se ferirão nos muitos espinhos que virão, porém, esta árdua caminhada trará para mim a segurança de jamais me perder pelos plurais e incertos  descaminhos do mundo". "Pergunto para mim mesmo: Qual caminho devo seguir? A resposta não está em minhas mãos, mas nas botas que calçam os meus pés, quando ando com alegria por tortuosos caminhos de chão cobertos de relva e árvores; a resposta está neste momento, neste glo

O Agricultor e o Bambu Gigante

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O que vai ser narrado aqui ocorreu em um tempo muito distante, um tempo em que um vírus denominado corona paralisou o mundo todo, levando grande parte da população mundial a cumprir um período de quarentena em suas próprias casas  — aqueles que duvidarem consultem os livros de história .  Naqueles dias, o Agricultor Urbano trocou a prisão domiciliar pela liberdade de andar quase que o dia todo, com mais tempo e mais vagar, pela grande área verde nos fundos do seu quintal  —  suas botas ficaram muito gastas.  Nas suas andanças, era comum para ele admirar com encanto, a grande moita de bambu gigante que crescia nos fundos da casa do seu vizinho. Os bambus eram enormes, e o bambual proporcionava nos dias de verão uma sombra agradável e cheia de frescor. Num certo dia o seu vizinho, que também gostava dos bambus, vendeu o seu terreno e  partiu para outras terras. Um jovem que não gostava de bambus adquiriu a propriedade e mandou buscar muitos tijolos e, por ordens dele,  um muro preci

Saudade Encolhida

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Domingo, final de tarde, horário do Agricultor Urbano ir embora para a cidade grande. Sua companheira, a vira lata Miúda já sabe, e por saber, já entregou os pontos.  Permanecerá deitada no seu canto até o dia seguinte; neste período, ficará quieta, não latirá  —  nem mesmo para os garis e eventuais carteiros  — , e não abanará o rabo nem para a dona da casa, a quem também ela ama muito. O Agricultor a convida para ir ao portão para a latida de despedida; sem chance. Tenta ainda animá-la com palavras carinhosas dizendo que retorna brevemente; pura perda de tempo. Para a sua amiga de quatro patas, o domingo termina bem antes da musiquinha do programa do fantástico; a dor de quem parte encolhidinho em sua saudade, é tão grande quanto a saudade de quem fica encolhidinha no seu canto, no seu canto de amor.

A Água do Rio

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Acabei de beber a água do Rio de Janeiro;  está muito ruim a água do rio.  É preciso cuidar do homem;  a fim de que o homem cuide da terra; e a terra cuide da floresta;  e a floresta cuide do rio;  e o rio cuide da água;  e a água cuide da gente;  da gente que gosta de beber a água do rio; de todos os rios; até mesmo do Rio de Janeiro.

O Agricultor e a Pequena Flor

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Naquela sexta-feira pela manhã, ele já estava no portão da urbana residência, pronto para ir para o trabalho e, posteriormente para sua casa rural, quando deparou-se com uma pequena e triste flor caída ao lado do muro. —   Que tristeza é essa pequena flor, o que foi que ouve? —   Ah senhor... nasci e cresci aqui na fresta do muro, o espaço é mínimo, mas eu venho ajeitando-me . Porém, no dia de ontem ocorreu uma forte tempestade com fortes ventos, e estes jogaram-me ao chão. Estou agora ao desabrigo e com minhas raízes expostas sob a luz do sol.  —   Você gostaria de mudar-se para o jardim de minha casa, lá em uma cidade doo interior do estado  pequena flor?  —   Seria uma grande alegria senhor, mas eu não tenho como chegar lá; minhas sementes, se já estivessem presentes, poderiam ser levadas pelo vento e, desta forma, meus descendentes poderiam crescer em muitos lugares, até mesmo no jardim de sua casa. Mas infelizmente eu ainda não possuo sementes.  —   Não se p

Uma Árvore de Cada Vez

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Era a manhã de um domingo; o Agricultor Urbano, na beirada da rua preparava-se para plantar suas amadas árvores. Naquele instante, passava por ali um caminhante dominical que, com um olhar de curiosidade observou aquele quase sem fim de árvores, e o responsável por tudo aquilo, o Agricultor ali ao lado com sua enxada e cavadeira nas mãos. — Bom dia Agricultor  —  falou o caminhante. — Bom dia senhor.  — Um curiosidade Agricultor: Como você conseguiu plantar todas estas árvores?  — Tudo muito simples senhor: Em cada domingo caminho 12 Passos, e para cada passo planto uma árvore; repito o processo para cada domingo de cada mês; continuo fazendo a mesma coisa para os 12 meses de cada ano, e ainda repetindo nos últimos 20 anos das duas últimas décadas. — Que coisa Agricultor, que coisa...  pelos meus cálculos, existem então aqui mais de doze mil árvores, uma pequena floresta. Qual o segredo?  — Não existe nenhum segredo senhor; u m dia de cada vez, uma árvore d

O Espelho Estilhaçado

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Dias de domingo para mim antes dos 12 Passos eram dias de muita dor, vazio e angústia. Na minha infância, era comum o meu pai viajar aos domingos, ele era caminhoneiro, e aquelas partidas no início da tarde enchiam o meu coração de tristeza.  Minha codependencia tem muito a ver com a minha relação com o meu pai: Amor e ódio; chegadas e partidas; presença e saudade; medo e confiança; respeito e desprezo; guerra e paz... O medo que eu sinto na vida, um medo aterrador, é o medo dele, ou o medo de ser rejeitado e não ser amado por ele.  Constato que desejava um pai mais amoroso e mais amigo, constato que queria mais afeto, mais apoio, mais atenção, confesso que gostaria muito de ter sido amigo do meu pai, mas, infelizmente, não foi assim que a banda tocou.  Cresci então dividido entre um pai real e um pai idealizado, cresci desejando muito agradá-lo, a fim de receber dele afeto e compreensão.  Demorei mais de 40 anos para descobrir que é impossível modificar o outro. Per

Cem Anos de Codependencia

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Eu vi do alto de uma serra o campanário de uma igreja Eu vi próxima à igreja uma grande sala com muitas costureiras Eu vi fios e inúmeras vidas sendo tecidas Eu vi o movimento dos fios pelas agulhas, e a vida girando pelas máquinas Eu vi quadros projetados como em um filme Eu vi a rejeição na pequena cozinha, e a vergonha ao lado do fogão de lenha Eu vi a explosão de raiva no disparo da arma, e o profundo remorso quando a porta da cela se fechou Eu vi o desejo da evasão galopando no lombo do cavalo, e o sentimento de vazio e angústia no embarque do trem Eu vi o aceno triste dos que ficaram, e o adeus solitário de quem jamais voltou Eu vi o sentimento de carência na beira de um ribeirão,  e a depressão no cair da tarde sob o som do cincerro Eu vi o orgulho abandonando uma fazenda, e a crueldade sobre a ponte do ribeirão Eu vi a ansiedade pisando nas tábuas do assoalho, e a possessa agressivi