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Mostrando postagens de 2022

O Invisível Social Num dia de Natal

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Meus pais compraram uma casa em um novo loteamento há alguns anos atrás; o local ficava no alto de uma grande colina completamente cercada por pastos degradados, de onde era possível avistar muitos lugares distantes na linha do horizonte. Costumava visitá-los de forma costumeira, e me recordo agora que sempre avistava naqueles pastos um homem solitário com um bastão de ferro nas mãos. Ele andava por aquele campo com aquele bastão, parava em determinado ponto, batia o bastão no chão, agachava-se, enfiava a mão em seu bolso, tirava algo de lá para em seguida depositar sobre a terra, levantando-se em seguida para revolver a terra sob os seus pés com suas botas. Aquele processo era repetido por algumas horas ao longo das manhãs. Sempre tive a curiosidade de parar um dia e perguntar para ele o que ele fazia ali, mas nunca fiz isto de fato. Num dia de Natal passei por lá e observei aquele homem na sua costumeira rotina com o bastão. Até no Natal meu Deus do céu, pensei eu, o que afinal de co

As Mãos que Fecundam o Solo

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O auditório estava lotado e muitos discursaram, afinal de contas não era sempre que alguém reflorestava solitariamente uma praça inteira, trazendo de volta as árvores, os pássaros, os insetos, as crianças, os atletas, os botânicos, os biólogos, os casais de namorados... Naquele dia o Agricultor Urbano deixou de ser invisível,  era ele o convidado de honra, e muito foi falado sobre o seu grandioso e anônimo trabalho de reflorestamento das praças públicas municipais. Discursou o prefeito, falou o secretário de meio ambiente, falou o presidente da associação de moradores do bairro, falaram alguns vereadores, falaram autoridades civis, militares e eclesiásticas... Depois de muito falatório, finalmente passaram a palavra para o Agricultor Urbano  —  um homem de poucas palavras; sem muitos comentários agradeceu a todos pela homenagem, dizendo que praças degradadas como aquela existiam às dezenas cidade afora, e que o trabalho de replantio de árvores nestes locais era uma iniciativa que traz

A Sábia Coruja, o Peregrino, o Céu e o Inferno

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Contam que na cidade de Delfim Moreira, no alto da Serra da Mantiqueira, existia um Peregrino que anualmente ia a Aparecida do Norte, e que tinha o sincero desejo de descobrir qual era a real diferença entre o céu e o inferno. Depois de muito peregrinar e procurar pela resposta, ouviu de um simples lavrador que na floresta havia uma Sábia Coruja que certamente saberia responder ao seu questionamento. O homem adentrou a floresta repleta de araucárias à procura da Sábia Coruja, até finalmente localizá-la num final de tarde pousada num dos galhos de um majestoso ipê amarelo da serra.  — Bom dia Sábia Coruja, prazer em conhecê-la.  — O prazer é todo meu, que bons ventos o trazem até aqui. — S ou um Peregrino que busco incessantemente descobrir a qual diferença entre o céu e o inferno. — O inferno é um grande campo com solo degradado e nenhuma vegetação; chega neste local um dia um certo homem de braços cruzados e passa a viver ali, mas as condições de vida são degradantes, não existe uma

O Agricultor Urbano e Seus Representantes

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Naquele mês de outubro o Agricultor urbano saiu para votar, precisava eleger os seus representantes. Para os solos brejosos elegeu jabuticabeiras, ingás, guapuruvus e paineiras; para os solos pobres, arenosos e secos, elegeu ipês de vários partidos: O partido branco, o partido rosa, o partido roxo e o partido amarelo; para as abelhas e os amantes das flores, elegeu girassóis, jacarandás, sibipirunas, quaresmeiras, resedás e manacás; para aqueles que trabalham nas ruas sob o sol, elegeu árvores com largas sombras: Figueiras, amendoeiras, jamelões e jambeiros  —  os garis agradecem ; para os meninos que saem das escolas em grandes grupos, e os transeuntes de um modo geral, elegeu as mangueiras, tão acostumadas a receberem pauladas e pedradas pelos caminhos por onde trafegam os humanos  —  misericórdia Senhor ; para as praças com grandes espaços, elegeu árvores de grande porte: Jatobás, jequitibás, cedros e sumaumas; Com o passar do anos o Agricultor foi acompanhado cada passo de seus rep

Vivo Atirando Por Aí

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Na minha simplicidade de Agricultor Não quero armas em minhas mãos Nelas prefiro as sementes das árvores O tiro das armas mata e assusta Até mesmo os passarinhos do céu Vivo atirando por aí Não projéteis de armas mortais Mas tão somente sementes ao chão Atiro e nasce uma paineira Atiro e nasce uma pitangueira Atiro e nasce uma gameleira Tiros de sementes Tiros de Abundância Tiros de vida Tiros de amor Para que então os tiros das armas dos insensatos? Tiros de projéteis Tiros de miséria Tiros de morte Tiros de dor

Cadê os Passarinhos?

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Como sempre faço todos os dias, peguei o ônibus no ponto, como sempre correndo; o motorista dirigia feito um louco, freando bruscamente, reclamando, buzinando, acelerando... Todos ao meu redor com pressa de chegar, todos fechados em si mesmos, por todos os lados internet, inflação, corrupção, eleição, futebol, jornais, revistas, propagandas, carros, vendedores ambulantes... Cheguei no meu ponto no Largo da Carioca, desci e atravessei a rua correndo, pois o motorista na sua pressa poderia mesmo passar por cima de mim, que loucura meu Deus — seriam os motoristas cariocas meus inimigos figadais? Na Rua 7 de Setembro com a Avenida Rio Branco queria pegar o sinal verde, mas não foi possível, o danado fechou, que droga, vou perder três minutos da minha apressada vida! Parei, observei as pessoas do meu lado, todas olhando para lugar nenhum, todas querendo ir a algum lugar, meu Deus o que faço agora parado nesta esquina junto com todos os outros? Olhei para cima, olhei para o céu, e que marav

O Amor nos Tempos dos Extraterrestres

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Era uma vez uma bela jovem que acreditava em ET's — seres extraterrestres. A bela jovem muitas vezes visitava uma comunidade na região central do Brasil, bem como outros inúmeros jovens que também acreditavam em ET's. Na comunidade havia um grande líder, um iniciado, que era o único homem sobre a face da terra — segundo ele mesmo afirmava —, que conseguia comunicar-se com estes tais ET's através de um singular idioma conhecido apenas pelos grandes iniciados, o idioma dos ET's  — o grande líder era o único iniciado sobre a superfície do mundo onde pisam minhas botas. Uma coisa que a bela jovem notou quando visitou a comunidade dos convictos na existência dos ET's, é que havia lá uma quantidade enorme de gerânios, quase uma floresta deles. A explicação era simples: Segundo o líder da comunidade, os ET's haviam dito para ele que o final do mundo estava próximo, e quando esta data fatídica chegasse, todos os humanos que tivessem gerânios plantados em suas casas se

O Amor é Verde Olívia

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Lá se vão quase 40 anos, mas a doce lembrança continua viva dentro mim; de vez em quando ela — a lembrança — faz uma visitinha, e então vem o quadro do prato com arroz, feijão, bife e uma salada de alface retocada de tomates vermelhinhos. Por trás daquele prato saboroso  — o amor é o melhor tempero do mundo —  uma senhora sorridente e, obviamente amorosa, uma inesquecível senhora. Morava longe de minha terra natal, de minha mãe, de minha gente, estava agora na capital dos cariocas tecendo os novos fios de minha vida, tudo era ainda muito estranho, as grandes cidades costumam assustar muito os forasteiros do interior. Nesta época, fazia um curso de especialização em informática na PUC Rio que era, e creio que ainda seja, muito rigorosa, e aqueles que não se aplicassem nos estudos não tinham a menor possibilidade de conseguirem o tão sonhado certificado de conclusão. Na PUC, sob um pé de tamarindo, conheci o filho da inesquecível senhora, e através dele consegui o meu primeiro trabalho c

Hoje Cedo Vi o Pai

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Desde a juventude sempre gostei de escrever, porém, acontecia algo curioso: Após escrever o texto eu mesmo o lia e em seguida rasgava para que ninguém soubesse sobre minhas próprias emoções e o meu mundo interior, pois era sobre isto que eu escrevia.  O tempo passou, como passou também o tempo em que rasgava os textos, mas o que sinto continua lá e agora eu escrevo sobre isto e não mais rasgo e jogo ao vento, mas publico para quem desejar ler.  O solo de minhas emoções é muito fértil e o que escrevo é basicamente o registro de minha própria viagem através da busca constante da minha singular natureza interior. Num dia destes achei dentro de um velho caderno uma valiosa página, um dos poucos textos do passado que milagrosamente não rasguei e joguei ao vento; indescritível foi a minha alegria... Hoje Cedo Vi o Pai Hoje cedo vi Deus, meu Pai Eterno, conforme O concebo. Estava maravilhosamente vestido de vermelho na figura de um Flamboyant. Não havia como não vê-lo, percebê-lo, senti-lo...

O Sono Milenar

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  — Moço das Letras, percebo que você tem uma grande facilidade de comunicação com seres inanimados, animais e plantas, isto é um verdadeiro talento — comentou o leitor. — Isto não é um talento, é na verdade uma grande dificuldade que me impulsiona constantemente na direção de minha busca. — Como assim? — Por trás da facilidade de comunicação com os animais, as plantas e os seres inanimados através das letras, está minha grande dificuldade emocional de comunicação com as pessoas mais próximas, principalmente com a mais próxima de todas elas. — E quem seria a mais próxima de todas as pessoas Moço das Letras? — Eu mesmo meu caro leitor. — Onde afinal de contas reside a dificuldade Moço das Letras? — Reside no meu sonambulismo, faz muito tempo que adormeci, e adormecendo me perdi, por isto escrevo tanto; escrevo, coloco dentro de uma garrafa, fecho com uma rolha e jogo no mar de minha própria ignorância, na esperança de que o náufrago à deriva, ou melhor, o analfabeto emocional que habita

Os Baldes Sem Alça e Sem Fundo

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Os velhos baldes viviam felizes na presença do Agricultor Urbano; muitos deles foram recolhidos em entulhos de obras por onde pisavam suas botas: baldes rachados; baldes deformados; baldes desprezados; baldes grandes; baldes pequenos; baldes tortos; baldes direitos; baldes perfeitos; baldes imperfeitos... Os  baldes eram geralmente utilizados para carregar mudas para reflorestamento morro acima, terra para futuras mudas morro abaixo, sementes, algumas pequenas ferramentas e outras coisas mais, e neste vai e vem de baldes a mata renascia, e aos poucos, o solo degradado pelos homens de outrora era paulatinamente recuperado pelo Agricultor de agora. Um dia, um dos velhos baldes com alça perdeu o fundo, sendo  colocado em um canto do escritório do Agricultor, o velho galinheiro desativado.  Num outro dia, um dos velhos baldes com fundo perdeu a alça, e foi também colocado no mesmo canto do seu rústico escritório, bem pertinho do outro balde; ambos os baldes estavam encostados e sem condiçõ

O Agricultor e o Dia da Árvore

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Naquela manhã de quarta-feira de 21 de setembro de 2022 — salve a primavera — o Agricultor caminhava tranquilamente pelas ruas, contemplando alegremente as árvores que vieram através de suas mãos em passadas estações; não trazia enxada ou enxadão, não trazia novas mudas para plantar, não trazia nada, nem mesmo suas velhas botas, seu chapéu e sua costumeira roupa de campo — aquilo era um passeio. Como de costume foi abordado por um transeunte, que desta vez trazia uma muda de árvore na mão. — Bom dia Agricultor, não vai plantar árvores no dia delas? — interrogou com estranheza o transeunte observando o Agricultor com seus trajes não convencionais. — O dia 21 de setembro é feriado para mim transeunte, e neste dia eu não planto árvores, tiro folga. — Mas justamente no dia delas você não planta Agricultor?  Confesso que não compreendi muito bem. — A propósito, que árvore é esta na sua mão? — Ah... passei pela praça no centro da cidade e recebi esta muda de presente da prefeitura, mas co

O Agricultor e a Serra Desaparecida

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O incidente ocorreu em um dia frio do mês de agosto; o Agricultor estava podando os galhos laterais de um imenso pé de jamelão — a poda facilitaria a entrada da luz solar e a biomassa seria utilizada como adubo. Terminada a poda lá no alto da árvore, sua serra manual caiu; o Agricultor não ficou preocupado, recolheria os galhos no chão e em seguida pegaria a serra de volta. Já no chão, foi pegando galho após galho até finalmente o último, e nada da serra; "que coisa mais estranha, minha serra deveria esta aqui sob a copa da árvore, mas não está", refletiu o Agricultor após fazer uma meticulosa varredura em todo a área do pé de jamelão, e nada da serra. Verificou então nos galhos podados, a serra poderia ter ficada presa em algum deles, olhou um por um, e nada da serra. A hora avançava e a serra não aparecia, ele precisava ir embora do campo, na vida urbana haviam outros afazeres aguardando por ele, mas como partir abandonando sua ferramenta no campo? Retomou a procura, olhou

O Agricultor e a Bougainvillea Atropelada

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Era primavera; como o Agricultor não cultivava trigo, numa certa tarde foi até a padaria para comprar pão. No seu caminho encontrou caído na rua um pequeno galho de Bougainvillea com algumas escoriações — a planta havia sido atropelada por uma, duas ou mais vezes. A cena daquele galho de planta estendido, esquecido e ferido no asfalto tocou o coração do Agricultor, que o pegou, percebendo que ele ainda tinha seiva e vida. — Bougainvillea, Bougainvillea, você consegue ouvir-me? Não obteve nenhuma resposta, os ferimentos eram graves. Resolveu levar a planta ferida para sua casa e cuidar dela. O ramo atropelado foi colocado num saquinho com terra bem fértil e regado diariamente por algum tempo, e três meses depois estava cheio de brotos e pronto para ir para o campo, onde foi plantado em um local bastante ensolarado — as bougainvilleas amam o sol. Dois invernos depois, numa manhã de sábado fria e ensolarada de sábado, enquanto cuidava de seus canteiros o Agricultor ouviu alguém chamá-lo.

O Rebanho do Agricultor

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Como de costume, o Agricultor acordou cedo e cedo foi cuidar do seu campo; a caminho, encontrou um destes transeuntes tão frequentemente presentes nas crônicas, que o saudou: — Bom dia Agricultor; pelo visto já está a caminho do seu campo e de suas árvores. — Bom dia Senhor; hoje vou roçar o capim a fim de alimentar o meu imenso rebanho. O transeunte achou aquilo estranho, até onde ele sabia, o Agricultor sempre plantava árvores em áreas públicas, estaria ele agora grilando terras municipais para criar bois? — pensou ele afastando-se e publicando ainda em movimento aquele escândalo sem precedentes em suas redes sociais. Rapidamente a notícia espalhou-se como rastilho de pólvora, trazendo em seu bojo controvérsias sem fim; o incidente ocorreu em um período pré-eleitoral, levando um candidato a vereador do partido dos defensores da natureza — ele não estava bem nas pesquisas —, a realizar uma verdadeira cruzada contra o Agricultor em suas redes sociais: Fora Agricultor; fora grileiro de

O Agricultor, a Angústia e o Estrume do Gado

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  Cinco horas da manha de domingo, o Agricultor acorda; o som da música ao longe chega aos seus ouvidos, era o final do baile de sábado, e com a música chega também a sua angústia batendo forte em seu coração, "o que fazer?", pensava ele enquanto tentava conciliar os seus pensamentos em desalinho. Não demorou muito e surgiu em sua tela mental o seu Velho Conhecido. — Bom dia Agricultor, muita angústia hoje pelo que estou percebendo. — Bom dia Velho Conhecido; isto é um fato! — Talvez posso ajudá-lo a resolver isto, que tal umas voltas por aí e umas boas compras? — Já tentei e não resolveu. — Então um filme, ou um jogo de futebol pela TV, ou ainda um daqueles mágicos jogos de basquete da NBA que você tanto gosta, experimente... creio que depois disto o problema esteja resolvido. — Não estará não Velho Conhecido, isto tudo me entorpecerá por algum tempo, mas depois a velha angústia voltará para o seu plantão mais angustiada do que antes. — Não se desespere Agricultor... experim

A Criança, a Angústia e o Canto dos Pássaros

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  Acordava e não ouvia nada, como num deserto; instantes depois chegava a visita indesejada. Todos os dias bem cedinho a angústia me visita; ela sempre vem mergulhada no silêncio da manhã, invariavelmente acompanhada por um cachorrinho vira-lata. No princípio brigava com ela e pedia para que se retirasse, não gostava nem um pouco da sua presença, mas agora não brigo mais, pois agora finalmente compreendo a sua dor. Quando olho para os olhos dela vejo a cena, como num filme, e sinto sua profunda tristeza quando a carreta vermelha desaparece na curva no final da rua, deixando em seu coração apenas um rastro de profunda saudade; é neste momento que ela com os olhos cheios de lágrimas  — minha angústia chora  —  mais afaga o seu cachorrinho, transformando-se simplesmente numa criança que eu carinhosamente acolho, pegando em suas mãos e indo com ela em direção aos fundos da casa. "Venha comigo criança, venha comigo... você chega sempre muito silenciosamente pelas manhãs, vamos mudar is

O Agricultor e as Bolotas Solares

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Era abril, princípio de outono; o Agricultor Urbano levantou cedo e foi para o campo. No caminho foi abordado por seu velho conhecido, o Fulano. — Bom dia Agricultor. — Bom dia Fulano. — Onde vai tão cedo? — Vou para o campo colher a luz do sol. Fulano não falou nada e seguiu adiante; "onde já se viu colher luz do sol, onde já se viu?" pensou solitariamente seguindo seu rumo.  Ao longo daquele dia o Agricultor carpiu o capim que crescia paralelamente à cerca, juntando posteriormente tudo em pequenos montes.  No dia seguinte novamente Fulano encontrou o Agricultor na sua lida no campo. — Como vai Agricultor? — Vou bem, obrigado. — O que faz ai tão cedo e com tanto entusiasmo? — Estou amontoando a luz do sol que colhi ontem. Como no dia anterior, Fulano nada comentou e seguiu adiante pensando "ele não deve estar muito bem das faculdades mentais, ao longo de minha vida nunca vi ninguém amontoar a luz do sol".  Depois do capim carpido e amontoado e o sol já se pondo n