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Mostrando postagens de outubro, 2019

O Amor nos Tempos dos Botões

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Era uma vez um tempo em que havia cerração nas manhãs — amada cerração. Era comum nestes dias, bem cedo, com a cerração presente, eu e minha mãe irmos até ao portão para nos despedirmos de meu pai — papai era viajante e saía sempre com a cerração presente, antes mesmo do canto dos primeiros pássaros. Papai, meia hora antes da despedida, ligava o motor e acendia a luz da cabine; naqueles instantes derradeiros antes da partida, eu — já de coração partido  —  entrava naquele local sagrado para ele, sentava no banco e ficava olhando encantado o volante, os vidros, o teto, os pedais, e sobretudo, o painel com uma infinidade botões, maravilhosos botões — um derradeiro olhar mágico dentro da cabine envolvida pela cerração da manhã.  Papai então dizia-me: "Para poder ir e voltar meu filho, é necessário conhecer a função de cada botão, e acioná-los no momento apropriado" — a carreta era a vida do meu pai. Encantado com tudo aquilo, e orgulhoso pela sabedoria do meu pai, eu

A Insana Procissão

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A doença da emoção é como uma grande procissão, onde trafegam diariamente desde tempos imemoriais, somente os genuinamente loucos, andando sempre em círculos, do nada para lugar nenhum. Passa então um homem, que observa atentamente  a grande marcha daqueles alienados mentais; fica estupefato com tudo aquilo, e então, sentido-se muito feliz por não ser um deles, exclama: Que loucura! Como não tinha nada para fazer, não pretendendo mesmo ir a lugar algum, e completamente ciente de sua sanidade, resolve então ingressar na procissão, a fim de mostrar para todos, que ele, seguramente, jamais caminharia do nada  para lugar nenhum  —  Mais um na insana procissão .

Dongo Vivencia a Ira do Grande Gato Almirante

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Era uma vez um camundongo chamado  Dongo , o mais incomum dos camundongos ; num certo dia, enquanto caminhava pelo grande navio  — para Dongo o mundo era um grande navio  —, Dongo avistou em um canto o velho monte de sucatas  — aquilo já estava ali há muito tempo  — , e Dongo achava que não era problema dele.  Naquele momento o grande Gato Almirante  —  um gato angorá senhor de toda a vida e todo o navio  —,    que estava pelas proximidades, dirigiu-se a Dongo de forma direta e imperativa,  delegando a ele uma tarefa: "Dongo, hoje alguém virá aqui pesar e levar todo este ferro-velho, e o valor combinado foi de X Cruzeiros por quilo; preste contas para mim no final do dia!"   —  os gatos angorás não falavam, eles ditavam! O camundongo Dongo tinha pelo grande Gato Almirante um sentimento de profundo respeito e veneração  — Dongo amava aquele grande Gato ; seu coração disparou, ele precisava realizar aquela tarefa da melhor maneira possível  —  os angorás não admitiam f

Dongo e o Grande Gato Amirante

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Era uma vez um camundongo chamado Dongo , o mais incomum dos camundongos; Dongo sofria de codependência, e neste estado de alma, via-se como um camundongo  —   Dongo era um homem  — , bem como todos os seus semelhantes como gatos.  Dongo convivia com os gatos, porém, como é natural, tinha medo deles  —  os camundongos temem os gatos. No universo de Dongo, o mundo era um grande navio que singrava diariamente os mares da vida — escuros e tenebrosos mares. Havia um grande problema na vida de Dongo com relação aos gatos: Os gatos angorás  —  Dongo não suportava os angorás. Na relação de Dongo com estes gatos o seu medo era patente; neste convívio, Dongo era efetivamente a presa  —  um camundongo  —    e os angorás eram, de fato,  os cruéis predadores  —  os gatos . Havia no navio onde Dongo vivia um almirante, responsável e senhor absoluto de toda aquela embarcação e pela vida de todas aqueles seres que ali viviam, e o almirante, para grande infortúnio de Dongo era um gato, não

A Jabuticabeira do Agricultor Sebastião

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Naquele domingo de primavera pela manhã, o Agricultor Urbano andava pela mata, juntamente com os seus inseparáveis vira latas, providenciando terra para encher os saquinhos para as próximas árvores.  Instantes depois, estava ele frente a frente com uma visão celestial: Uma jabuticabeira toda carregada de frutos amadurecidos, um mar de bolotas pretas afixadas no tronco e galhos. A árvore  não havia sido plantada por ele, o responsável pela área onde crescia a planta  — um espaço público no meio do nada  —  já havia morrido. O céu era de um azul intenso, e o dia estava claro e cheio de luz solar.  O Agricultor Urbano ficou ali um bom tempo degustando aquelas frutas deliciosas, e então reparou que o mato estava tomando conta de tudo; viu inúmeros pés de café sufocados pelo capim inculto; bananeiras crescendo com dificuldade, árvores necessitando de poda, touceiras de canas queimadas ... Veio então à sua memória a imagem do homem que cuidava de tudo aquilo  —   um agricultor

Dongo e o Gato Simpático

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Era uma vez um camundongo chamado  Dongo , que em um dia de verão estava em uma longa fila, uma fila quase sem fim, aguardando a sua vez de comprar a carne. Naquela época havia uma crise, e de vez em quando alguns produtos sumiam dos mercados .  Dongo já estava naquela fila há horas, havia chegado bem cedo, mas muitos outros haviam chegado mais cedo ainda. Depois de mais ou menos umas três horas o camundongo Dongo, apesar do cansaço, foi sentindo uma certa alegria, pois, com o andar da fila, já conseguia observar lá na frente o objeto de sua missão, a tão desejada carne. Suas pernas doíam; ele já não aguentava mais ficar na fila, "Deus é grande", pensou Dongo, e finalmente lá pelas onze horas da manhã havia chegado a sua vez. Olhou uma última vez para trás e aquela fila perdia-se naquele imenso corredor, era impossível descobrir quem era o último, "coitado do último"  —  pensou Dongo.  Então, do nada, como se estivesse vindo do espaço sideral, apareceu ao

O Décimo Passo é uma Tijolada no Velho Ego

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"Continuamos fazendo o inventário pessoal, e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente"; é este o enunciado do Passo 10 — o Passo da consciência.  Mas eu estava certo — o ego está sempre certo —, e além de estar certo, estava com raiva, com muita raiva — raiva velha, apodrecida e congelada. Estava enfurecido com a vida, sentindo-me uma grande vítima de circunstâncias cósmicas desconhecidas — assim falam alguns —, e além de tudo isto, sem nenhum poder para controlar aquela situação — o meu ego adora controlar tudo. Já eram muitas 24 horas na sala, eram muitas 24 horas de paz e serenidade, eram muitas 24 horas de recuperação, quase uma era, enfim — o ego gosta de falar e escrever sobre coisas bonitas —, contudo, alguns demônios — humanos demônios —, continuavam desestabilizando toda a minha estrutura de recuperação, minha casa emocional — seria uma casa construída na areia?  Então eu comecei a Pedir ao Poder Superior ajuda, e comecei a fazer para ele

O Camundongo Dongo e as Moedas da Grande Gata

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Era uma vez um camundongo chamado Dongo , que certa vez recebeu de sua mãe, a Grande Gata, a incumbência de ir ao armazém comprar algumas coisas. Naquele tempo o dinheiro na casa de Dongo era algo muito raro e valioso  —   havia uma crise  — , e então Dongo ouviu de sua mãe: "Leve as moedas com você Dongo, e cuidado para não perdê-las pelo caminho, pois elas estão contadinhas  em suas mãos". Dongo ouviu tudo com muito atenção. Dongo amava a grande Gata; saiu então rua abaixo com espírito de devoção, em direção ao armazém, com as contadinhas moedas nas mãos; de vez em quando, Dongo dava uma paradinha e contava as moedas para verificar se havia perdido algumas delas  —  aquilo era compulsivo  —;  ele sabia que não havia perdido nada, mas contava mesmo assim. A estradinha que levava ao armazém era de chão, com muito mato em volta, e no meio do trilho Dongo caminhava determinadamente em direção ao seu destino. Depois de alguns instantes, um pensamento louco passo

Passos de Homens, Passos do Poder Superior

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Eu achava que com a minha frequência às reuniões de 12 Passos eu daria conta de minha recuperação; tudo não passaria de uma questão de passos. O tempo passou, e a recuperação, como eu havia imaginado, não havia chegado. Eu já era quase um catedrático nos passos e tradições, já coordenava reuniões com os olhos fechados, conhecia os lemas, prestava serviço, abria e fechava as salas... Tive períodos de grande crescimento espiritual, e via-me trafegando por uma estrada bem pavimentada, em direção à casa de meu Poder Superior; a partir deste ponto, tudo seria apenas uma questão de tempo, a recuperação estava ali no horizonte, já ao alcance de meus olhos, apenas alguns poucos passos mais. Houve então um tempo em que a estrada pavimentada chegou ao fim, e eu passei a trafegar por um imenso deserto, onde o meu caminhar espiritual era lento, muito lento, quase nulo, e eu não mais conseguia observar ao longe o horizonte da recuperação  — o orgulho é cego. Nestes dias de dura travessia,

O Camundongo Dongo e o Grande Vazio

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Era uma vez um camundongo chamado Dongo , que era muito, muito carente de mãe. Dongo era pequenino, não engatinhava mais, já andava, e queria estar sempre perto de sua mãe, a Grande Gata  —  Dongo sentia dentro de si um grande vazio. Onde a Grande Gata ia, Dongo ia atrás; o apego era tão grande, que a pobre  da Grande Gata não podia fazer nada em paz, nem mesmo tomar banho, pois Dongo ficava na porta chorando e gritando: "M amãe, mamãe, mamãe..." Dongo acordava bem cedo, e bem cedo gritava: Mamãe, quero o meu café com leite;  depois do leite, Dongo gritava novamente: Mamãe, quero a minha chupeta vermelha; depois da chupeta Dongo gritava... Dongo já tinha mais de cinco anos nesta época, e no seu íntimo já sentia  um vazio profundo, e a única forma que ele encontrava de preencher aquele buraco enorme era com  a presença de sua mãe, a Grande Gata, sempre pertinho dele.  Mas a Grande Gata tinha que cuidar de muitas outras coisas além do carente Dongo: Roupas p

O Camundongo Dongo e o Gato Sardento

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Era uma vez um camundongo chamado Dongo , que amava jogar bolinhas de gude com os amigos no chão de terra batida. Dongo não era muito bom de mira, e tinha uma certa dificuldade em acertar aquelas bolinhas, mesmo as mais próximas. Dongo gostava de jogar bolinhas, mas não conseguia compreender o porquê dos perdedores ficarem sem as bolinhas no final; para Dongo, o mais correto é que todos voltassem com todas as suas bolinhas para casa.  Dongo tinha um amigo que era muito bom de mira, e dificilmente deixava de ganhar nos jogos de bolinha de gude; o nome dele era Gato Sardento, e os seus bolsos eram carregados de bolinhas. Dongo possuía poucas bolinhas e queria multiplicá-las, porém, como não tinha habilidade para jogar, seus investimentos não cresciam — era sempre o mesmo número de bolinhas, valiosas bolinhas.  Num certo dia o Gato Sardento propôs para Dongo uma parceria: Dongo daria suas bolinhas para ele, que as colocaria em jogo, e então os dividendos seriam dividido

O Camundongo Dongo e a Gata Normalista

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Era uma vez um camundongo chamado Dongo , que morava em uma casa onde havia uma Gata Normalista. Dongo sempre estudava nos velhos livros que já haviam passado pelas mãos de seus irmãos. No antigo tempo em que Dongo cresceu, os livros escolares não perdiam o prazo de validade.  Dongo, mesmo sem o perceber, era inteligente , mas não gostava muito de estudar, por ter uma grande dificuldade de concentração — sua mente estava sempre longe da realidade. Depois de alguns anos estudando aqueles livros surrados e amados  — agora ele sabe — , Dongo descobriu que teria que mudar de escola; estava terminando o primário e teria que fazer um exame de admissão para o ginásio. A prova de admissão não era fácil; era necessário estudar muito para passar, e aquela ideia não agradava muito a Dongo — para ele era uma tarefa quase impossível, além de tudo era tempo de verão, tempo de férias, bolinha de gude, mangas no pé, jogos de futebol, pique, etc. Mas a Grande Gata mãe tinha outros planos par