O Amor nos Tempos dos Botões
Era uma vez um tempo em que havia cerração nas manhãs — amada cerração. Era comum nestes dias, bem cedo, com a cerração presente, eu e minha mãe irmos até ao portão para nos despedirmos de meu pai — papai era viajante e saía sempre com a cerração presente, antes mesmo do canto dos primeiros pássaros.
Papai, meia hora antes da despedida, ligava o motor e acendia a luz da cabine; naqueles instantes derradeiros antes da partida, eu — já de coração partido — entrava naquele local sagrado para ele, sentava no banco e ficava olhando encantado o volante, os vidros, o teto, os pedais, e sobretudo, o painel com uma infinidade botões, maravilhosos botões — um derradeiro olhar mágico dentro da cabine envolvida pela cerração da manhã.
Papai, meia hora antes da despedida, ligava o motor e acendia a luz da cabine; naqueles instantes derradeiros antes da partida, eu — já de coração partido — entrava naquele local sagrado para ele, sentava no banco e ficava olhando encantado o volante, os vidros, o teto, os pedais, e sobretudo, o painel com uma infinidade botões, maravilhosos botões — um derradeiro olhar mágico dentro da cabine envolvida pela cerração da manhã.
Papai então dizia-me: "Para poder ir e voltar meu filho, é necessário conhecer a função de cada botão, e acioná-los no momento apropriado" — a carreta era a vida do meu pai. Encantado com tudo aquilo, e orgulhoso pela sabedoria do meu pai, eu pensava lá com os meus botões: "Um dia eu também saberei apertar corretamente todos os botões da minha carreta".
O momento mais difícil para mim, seguramente para eles também, era quando papai despedia-se, abraçando-nos e partindo — como doía aquele derradeiro abraço e aquela despedida; aquilo partia cada um de nós. Papai então pisava no estribo, entrava na cabine, sentava-se no banco, pousava sua mão esquerda no volante, pisava na embreagem, acionava com a mão direita a primeira marcha, acenava ainda uma última vez, e finalmente partia — sua majestade, o Caminhoneiro Solitário.
Ficávamos então mais alguns instantes no portão, eu e mamãe, na esperança, quem sabe, de um defeito em um daqueles botões, com o imediato retorno da grande carreta — doce ilusão dos saudosos —, até que as luzes vermelhas das lanternas do grande caminhão desaparecessem por completo sob a cerração. Naqueles momentos de angústia para mim, eu rogava a Deus para que meu pai apertasse sempre os botões corretos, e pudesse regressar logo para casa.
Voltávamos depois, mamãe e eu, por entre os coqueiros plantados por papai que circundavam a casa, a fim de cuidarmos de nossas vidas. Mamãe, tentando esquecer, ia para a máquina Singer costurar os seus botões, e eu, tentando não lembrar, ia para o meu canto jogar os meus botões — naquela manhã o jogo seria eu versus a saudade de papai, um jogo difícil de jogar, onde a angústia vencia sempre.
Passaram-se muitos anos; fui acordado então pela angústia de outrora — ela ainda estava lá. Levantei, abri a porta da casa e comecei a caminhar; havia cerração, como antigamente — coisa mais estranha nestes tempos de aquecimento global. 12 Passos depois, meu coração disparou de emoção ao observar, não muito ao longe, próximo a um outro portão, um casal e uma criança entre eles — todos estavam de pé, e a impressão que tive era a de que me aguardavam.
Quando aproximei-me um pouco mais, pude observar que aquele era o portão da minha casa da infância, e que aquele casal era, nada mais, nada menos, do que meus pais — estavam na meia idade —, e notei também, estupefato, que o caminhão com o motor ligado estava lá também. Instintivamente aproximei-me deles. Quem seria afinal de contas aquela criança?
Quando aproximei-me um pouco mais, pude observar que aquele era o portão da minha casa da infância, e que aquele casal era, nada mais, nada menos, do que meus pais — estavam na meia idade —, e notei também, estupefato, que o caminhão com o motor ligado estava lá também. Instintivamente aproximei-me deles. Quem seria afinal de contas aquela criança?
Quando estava bem próximo, mamãe pegou a criança ao seu lado e a aconchegou ao seu colo, olhando para ela com aquele terno olhar de mãe, um olhar de infinita paz e esperança — senti o calor daquele colo como um passarinho em um ninho. Em seguida mamãe entregou a criança para papai — como uma oferenda sagrada —, que a ergueu acima de sua cabeça com seus vigorosos braços e aquela alegria que era somente dele, olhando profundamente para ela — era um olhar de coragem, confiança e amor.
Naquele instante, através do olhar de meus pais para aquela criança — um olhar sem palavras que dizia muito —, eu ouvi com os ouvidos de meu coração o que eles diziam: "Meu filho, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, e demos o melhor de nossa humanidade em prol da sua; nós te amamos".
Instantes depois, meu pai subiu na cabine conduzindo a criança até o banco do motorista — ela ficou encantada com o painel. Papai então disse-lhe: "Para poder ir e voltar meu filho, é necessário conhecer a função de cada botão, e acioná-los no momento apropriado. Assim como o óleo que vaza do motor prejudica a carreta, a angústia que escorre do coração prejudica a vida". Encantado com tudo aquilo, e orgulhoso pela sabedoria do meu pai, naquele instante eu me vi sentado no volante — era eu a criança, e era também um homem —, e daquele momento em diante eu sabia que a responsabilidade de conduzir a grande carreta era minha — a carreta era a minha própria vida.
Com lágrimas nos olhos — meu coração disparava como um cavalo correndo livremente em um campina —, pousei minha mão esquerda no volante, pisei na embreagem, acionei com a mão direita a primeira marcha, acenei ainda uma última vez para meus pais, e finalmente parti.
Com lágrimas nos olhos — meu coração disparava como um cavalo correndo livremente em um campina —, pousei minha mão esquerda no volante, pisei na embreagem, acionei com a mão direita a primeira marcha, acenei ainda uma última vez para meus pais, e finalmente parti.
Meus pais ficaram mais alguns instantes no portão, vibrando amorosamente para que eu pudesse apertar adequadamente cada um dos botões condutores de minha própria vida — as carretas voltam, os filhos não —, até que as luzes vermelhas das lanternas do grande caminhão desaparecessem por completo sob a cerração.
Ainda olhei pelo retrovisor no derradeiro instante; eles ainda estavam lá e acenavam para mim. Tal como o óleo do motor, as lágrimas continuavam circulando pelos meus olhos — lágrimas de gratidão e amor. Olhei para o painel à minha frente; olhei para cima da cabine e lá estava dependurada a imagem da Santa; olhei além, olhei para o céu em busca das estrelas, e lá estavam elas no firmamento, tão brilhantes quanto a imagem da Santa de devoção de meu pai, que irradiava sua luz por toda a cabine, iluminando maravilhosamente o painel com todos aqueles botões — os botões de minha vida.
Engatei uma terceira marcha sentindo a força descomunal do motor — ou seria aquela a minha própria força, ou ainda, a força de meu pai? —, apertei o botão "Seguir Adiante", e finalmente desapareci no horizonte, conduzindo a grande carreta da minha vida pelas precisas estradas do mundo, e imprecisos caminhos de minhas emoções.
Engatei uma terceira marcha sentindo a força descomunal do motor — ou seria aquela a minha própria força, ou ainda, a força de meu pai? —, apertei o botão "Seguir Adiante", e finalmente desapareci no horizonte, conduzindo a grande carreta da minha vida pelas precisas estradas do mundo, e imprecisos caminhos de minhas emoções.
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