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Mostrando postagens de 2021

O Menino, a Terapeuta e a Carreira Solo

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A terapeuta amorosamente havia sido clara e direta: — Menino, você tem um pequenino traço de autismo. — O que significa isto — perguntou o menino? — Significa que seu mundo mental interior é muito forte, quase um mundo paralelo, mas no seu grau você consegue entrar e sair de lá de forma corriqueira — foi falando a terapeuta sobre os traços de personalidade do menino  — e, depois de muitos traços ela disse algo que ficou bem gravado em sua mente, mais um traço: — Você tem a tendência de fazer incansavelmente tarefas repetitivas. Aquilo fazia sentido — pensou o menino — ele era capaz de ao longo de um dia transportar areia em um carrinho de mão por muitas horas, sentindo-se bem com aquilo; era capaz de fazer exercícios mentais por muito tempo até finalmente aprender o que estava estudando; era capaz de ir da casa para a escola e da escola para a casa por meses a fio fazendo rigorosamente o mesmo caminho; era capaz de brincar horas a fio com seus ordinários e amados bonequinhos de plástic

O Agricultor e as Árvores do Morro

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Um dos grandes prazeres do Agricultor Urbano era visitar a loja de produtos agropecuários do bairro onde morava; ficava lá um bom tempo olhando aqueles produtos da roça, aquelas sementes, aquelas ferramentas, aquelas botas, ficava lá sentindo aqueles aromas... Numa destas visitas foi gentilmente abordado por alguém que havia ido até lá para comprar ração para o seu cão. Era um vizinho das cercanias que morava a aproximadamente um quilômetro de distância da casa do Agricultor, em um morro próximo — a cidade do Agricultor era muito rica em morros. — Senhor, há muitos anos tenho observado seus movimentos no morro nos fundos de sua casa, sempre acompanhado por alguns cães, ora subindo o morro, ora descendo o morro, ora abaixado no morro, ora de pé no morro, ora ativo e cavando o morro, ora contemplativo e sentado no morro... Na minha curiosidade sempre perguntava para minha mulher o que afinal de contas você fazia naquele morro de forma tão constante e determinada, mas nunca obtive nenhuma

Os Mistérios da Palha

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A vida gosta da palha Espalhada pelo chão As plantas necessitam da palha Os agricultores amam a palha O vento brinca com a palha Espalhada pelo chão Homem!  No seu saber, não atrapalhe a palha Na sua erudição, não varra a palha Na sua ciência, não queime a palha Na sua soberba, não maldiga a palha Espalhada pelo chão Espalha que a palha abriga do sol Espalha que a palha protege da chuva Espalha que a palha retém a umidade Espalha que a palha é toda simplicidade Espalha então a palha homem de Deus Pois a vida gosta da palha Espalhada pelo chão

Um Sonho de Mantiqueira

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O menino de 1922 chegou de Curitiba no seu caminhão; trazia um pequenino pianinho de madeira com o desenho de uma araucária  —  a araucária foi a primeira árvore que o menino de 1959 amou na vida, depois vieram todas as outras. O menino de 1922 comentou que a araucária era uma árvore muito bela e majestosa, e que o seu desejo era trazer uma delas para o quintal de sua casa, mas a infinidade do seu tamanho não cabia na finitude do seu caminhão  —  o menino de 1922 também amou as araucárias. Ao longo dos anos que vieram, o menino de 1959 sonhou que um dia moraria em uma floresta cheia de araucárias e outras árvores mais. Mas assim como a araucária era muito grande para o caminhão do menino de 1922, o sonho da floresta de araucárias era maior ainda, um sonho tão grande que o menino de 1959 não conseguiu realizá-lo  —  Estaria em greve, ou surdo aos anseios dos meninos, o grande realizador dos humanos sonhos em algum local do universo? Até que um dia chegou o menino de 1992, que cresceu e

O Agricultor Imprevidente e a Cerca

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Era uma vez um agricultor que na companhia do seu estimado cão, plantou com sua inseparável enxada um pé de abóbora no seu amado campo. Com o passar dos dias a abobreira cresceu e floriu, e grande foi o encantamento do agricultor com ela.  Todos os dias o agricultor subia a colina onde ficava o seu campo para contemplar suas plantas e, sobretudo, admirar sua abobreira. Neste momento ele humildemente tirava o seu chapéu e agradecia ao Senhor dos céus: — Gratidão Senhor dos céus pelo meu campo, pela abobreira com suas belas flores e por todas as abóboras que virão; agradeço também pelos mansos e dóceis bois que pastam no verdejante campo além da cerca e pelo meu inseparável e fiel vira-lata. A resposta do Senhor dos céus era enigmática, sem palavras e sempre a mesma  —  o agricultor conseguia ouvir com o ouvido de sua intuição: — Olhe a cerca meu filho, olhe a cerca! O agricultor não conseguia entender muito bem aquela resposta. Ele sempre agradecia pela abobreira, pelo seu cão e os dóce

O Agricultor Urbano e seu amigo, o Sol

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Vou relatar um caso ocorrido entre dois amigos, o Agricultor e o Sol; como era muito cedo, as únicas testemunhas do caso foram alguns pássaros, umas poucas vacas que pastavam mansamente no pasto próximo, e o velho vira-lata do próprio Agricultor, que de fato seria uma péssima testemunha, pois em função do avanço da idade cochilou quase todo o tempo do caso.  Assim começou o caso...  O incidente ocorreu há muito tempo, na época da pandemia mundial do corona vírus. O Agricultor Urbano e seu fiel vira-lata Tição chegaram ao campo bem cedo, era fim de inverno e o sol não havia ainda dado o ar de sua graça e luz, fato muito raro de acontecer. No limiar da aurora, com sua enxada na mão O Agricultor olhou para o horizonte sem fim pelo lado leste — ele sabia que seu amigo infalivelmente nascia lá —, e depois de constatar mais uma vez que ele ainda não havia surgido, deu uma boa gargalhada matinal e perguntou: — Perdeu a hora amigo Sol? Não obteve nenhuma resposta de imediato, teria se vexado

O Agricultor Urbano e o Seu Frio

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Eram seis horas da manhã, final de julho e o termômetro marcava seis graus  —  o inverno mais rigoroso das últimas décadas  —;  apesar disto, o  Agricultor estava pronto para ir para o campo juntamente com seu fiel vira-lata, que mesmo trêmulo e indeciso não abria mão da companhia de seu dono. Quando foi pegar sua enxada o homem das mãos calejadas ouviu uma voz... — Agricultor, Agricultor, melhor não irmos hoje, está tudo úmido e gelado, o céu está plúmbeo e a névoa está muito espessa, em um dia como este nem as focas e os pinguins saem de suas respectivas casas. O Agricultor sabia que seu velho e bom Tição não falava; Virando-se em direção a voz observou que quem falava com ele era o seu próprio Frio que estava ali todo encolhidinho e bem pertinho dele. — Vamos voltar para os cobertores e flanelas Agricultor, vamos para casa tomar um bom café e ficarmos por lá mesmo, num dia como este homem de Deus, o mais sensato a fazer é aquecer-se da melhor forma possível. Neste momento o Agricult

O Agricultor Urbano e a Sua Preguiça

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Naquela gelada manhã de inverno,  antes de ir para o campo  o Agricultor sentia um certo desânimo, algo muito pouco comum, estaria doente? Seguindo vagarosa e silenciosamente o seu caminho por entre as árvores, ele notou algo estranho, como se ao seu lado estivesse mais alguém além de seu fiel vira-lata. Neste momento o Agricultor percebeu a sua própria preguiça acompanhando sorrateiramente cada um de seus passos.  Finalmente ele entendeu a razão de seu desânimo e, apesar da sua preguiça, continuou sua jornada em direção a seus afazeres rurais. Chegando no campo o Agricultor  —    apesar da preguiçosa presença  — , pensou "se eu começar a trabalhar ela partirá", e então  começou determinadamente a carpir, roçar, semear, preparar o solo, organizar canteiros, caminhar de um lado para outro... e não demorou muito tempo ele estava novamente bem disposto e, sua preguiça  por simplesmente não suportar nenhum tipo de trabalho,  resolveu cochilar na relva juntamente com seu velho cão

O Caminhoneiro Solidário e a Viagem para a Eternidade

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"Eu era um menino e me lembro como se fosse hoje do meu pai dirigindo a carreta vermelha na estrada; o limite de velocidade era oitenta quilômetros por hora, e eu ali atento olhando para o velocímetro, setenta e cinco, setenta e seis, setenta e sete, setenta e oito, setenta e nove, quase oitenta, mas ele jamais chegava aos oitenta, e foi assim ao longo de todas as suas viagens. Por muitas vezes eu ouvi-lo dizer com alegria — meu filho, guarde bem as minhas palavras: Eu viverei cem anos e morrerei bem cedinho e discretamente, como um passarinho." — Seu Tião, seu Tião, acorda seu Tião — gritava uma voz no portão da casa. Sebastião ouviu a voz; eram mais ou menos quatro horas da manhã. "Quem será a esta hora, será que alguém está doente? não, não pode ser, já não tenho mais o fusca, devo estar sonhando", pensou Sebastião enquanto tentava reconciliar o sono. — Acorda Sebastião Barra Mansa, está na hora — gritava uma outra voz no portão. Sebastião acordou de vez; "Q

O Homem da Semente da Laranjeira

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Se não me falha a memória, foi em meados dos anos 90 que eu ouvi alguém falar para mim, que no sul da Bahia havia um homem que plantava toda e qualquer semente que encontrava pelo seu caminho, até mesmo as sementes das laranjeiras. Naquela época, estava nascendo em mim o vivo interesse pelas árvores nativas do Brasil, e então, comecei a plantar sistematicamente um sem número delas pelas áreas públicas de minha cidade — sou um agricultor urbano sem terra —, tendo feito para mim mesmo a promessa de plantar em torno de quinze mil delas. Relato que para cada árvore que plantava, lembrava-me com carinho do homem da semente da laranjeira, mas eu tinha um certo preconceito com relação às árvores exóticas — apesar de amar as laranjas —, portanto, eu era um plantador de árvores puro sangue, plantando tão somente as nativas do Brasil. O tempo avançou, e ao longo de centenas de finais de semanas eu cheguei perto do cumprimento de minha promessa, percebendo com alegria crescer em ambiente urbano

Uma Foto de Amor

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Foto: José Carlos de Oliveira Tia Lourdinha, estava ontem cerrando madeira, estava ontem carpindo, podando e cortando, mas minha mente não estava lá, minha mente estava longe, muito longe, minha mente estava em ti. Por mais que eu tentasse concentrar-me, as lembranças iam sempre até ti. Nestas horas titia, eu sei que preciso agir, nestas horas, eu sei que estou sendo chamado para um compromisso, e neste momento, o compromisso é com a senhora. Estaria mentindo se dissesse que eu estou sentindo a sua dor, uma dor infinita e tão elevada, que somente as mães conseguem sentir. Tento medir a sua dor voltando à minha infância, relembrando momentos tristes, onde imaginava como seria a minha vida sem a presença de minha doce mãe por perto, como seria a minha vida com a minha mãe sendo chamada para o segundo andar da vida  —  eu sentia este terrível medo na infância titia, uma verdadeira assombração. Esta minha assombrosa dor titia, teria sido a dor mais profunda de minha vida, a dor do vazio,

A Sabedoria de Jó

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Pergunte, porém, aos animais, e eles o ensinarão, ou às aves do céu, e elas lhe contarão; fale com a terra, e ela o instruirá, deixe que os peixes do mar o informem. Quem de todos eles ignora que a mão do Senhor fez isso? Em sua mão está a vida de cada criatura e o fôlego de toda a humanidade. Jó 12:7-10

A Natural Expressão do Amor

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Era março, mas veio uma estiagem fora de época, e o estio castigou as plantas recém plantadas pelo Agricultor Urbano. Caminhando pelo campo naquele dia seco, ele observou próximo a uma cerca uma pequenina muda completamente triste e murcha. Não demorou muito e o lado urbano do Agricultor retirou de seu bolso um aparelho celular, e em poucos segundos lá estava ele abaixado próximo à planta sofrida, e do seu aparelho eletrônico ecoava uma música de Bach. Naquele mesmo instante passavam por ali Sicrano e Beltrano; ambos ouviram a música que vinha do campo, e ficaram curiosos com a cena do Agricultor sentado no chão, com seu celular próximo à pequenina árvore. — Algum problema meu senhor? Perdeu alguma coisa? — questionou Sicrano. — Não — respondeu com naturalidade o Agricultor completamente atento à árvore —, estou apenas levando um pouco de música a este diminuto pé de guaçatonga que vem sofrendo muito com a seca, na esperança de mitigar o seu sofrimento. "Meu Deus do céu" — pe

O Agricultor e o Palito de Fósforo

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Era uma vez uma caixa de fósforos onde moravam duzentos e quarenta palitos rigorosamente idênticos, exceto um, que por algum defeito de fabricação possuía um tamanho inferior, estava lascado e tinha uma cabeça bem pequena — infeliz palito. — Você é a ovelha negra da família; você é diferente de todos nós; você não será capaz de gerar sua própria chama; você denigre a imagem do nosso fabricante; você nunca será ninguém na vida — era isto o que o pobre palito ouvia diariamente dos demais palitos da caixa  —   insanos palitos. Depois de tanto ouvir isto dos seus companheiros, o pobre palito passou a acreditar em tudo aquilo, e acreditando, caiu em um profundo estado de tristeza, temendo sobremaneira o vexame futuro pelo qual passaria, quando fosse chamado para o seu único trabalho em sua vida, o de gerar uma pequena chama  — deprimido palito. Todos os dias um ou mais palitos eram retirados da caixa e, depois de riscados, cumpriam sua missão gerando sua chama; ao observar aquilo o coração

O Agricultor Urbano e o Seu Velho Ego

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Eram quase onze horas da manhã, o sol de verão estava escaldante, e o Agricultor estava cansado. Havia acordado cedo e cedo plantou muitas árvores, mas a hora avançou e ainda faltavam algumas mudas aguardando o aconchego do solo. Sua garrafa d'água estava quase no final  — somente um único gole — , ao seu redor nenhuma sombra amiga, somente pasto e algumas moitas dispersas de capim. De vez em quando Tição, seu fiel e velho vira lata, chegava perto dele com a boca aberta, transpirando pela língua e com um olhar triste que poderia ser traduzido como: "Amigo, vamos para casa, senão morreremos assados aqui neste campo desolado." Tentando abrigar-se um pouco do sol atrás da moita de capim colonião, o Agricultor Urbano ficou ali pensativo e parado, e neste momento de fatiga e indecisão sobre o que fazer, foi visitado pelo seu velho ego que raramente aparecia no campo. — Bom dia meu grande Agricultor Urbano. — Bom dia velho ego. — Já passam das onze horas da manhã, e você ainda

O Barbeiro, o Agricultor e o Rio Paraíba do Sul

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O Rio Paraíba do Sul nasce no estado de São Paulo, corre sereno por terras fluminenses, faz uma breve visita ao estado de Minas Gerais, volta ao estado do Rio de Janeiro, até finalmente encontrar sua foz em São João da Barra. Tão grande foi a alegria dos mineiros pela visita do rio, que foi criado em uma região da Zona da Mata, onde viveram os índios Puris, um município outrora chamado São José do Além Paraíba — atualmente Além Paraíba. Foi nesta cidade, às margens do Paraíba, que viveu um barbeiro com sua esposa e uma numerosa prole. O barbeiro amava sua família, sua barbearia, sua tesoura, sua navalha e todos os seus demais instrumentos de trabalho; mas ele também amava a terra, o rio próximo e os fundos do seu quintal e, quem ama estas coisas, acaba amando também uma enxada, um enxadão, uma pá... Quero dizer que, além de barbeiro de Além Paraíba, ele também era um agricultor às margens do rio Paraíba. Lá está o barbeiro no salão atendendo sua clientela; chega um, chega outro e ainda

O Agricultor e a Pequena Goiabeira

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Naquela manhã de sábado de verão do ano da graça de dois mil e vinte e um, o Agricultor Urbano estava terminando de preparar o terreno para o plantio das árvores no dia seguinte; em decorrência do elevado calor, estava exausto, a hora avançava e estava na hora de terminar por aquele dia. A alguns metros do capim carpido, o Agricultor avistou um pé de goiabeira completamente queimado e abafado pelo rude e inculto capim braquiária. "Bem, apesar do meu cansaço, vou limpar ainda o entorno daquela goiabeira morta e, amanhã plantarei uma outra árvore no local", pensou o Agricultor enquanto cortava o capim. Grande foi sua alegria ao perceber, depois da capina, que um pequenino broto verdejante da suposta goiabeira morta crescia com vigor a partir das raízes da planta. A alegria foi recíproca, pois, ao ficar completamente livre do capim que a sufocava, a diminuta goiabeira exclamou: — Gratidão Agricultor Urbano! — Sinto-me feliz por você ter conseguido resistir ao fogo e ao capim peq

O Agricultor, o Hibisco e a Vaca

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Era uma quarta-feira de cinzas; o Agricultor Urbano acordou cedo e cedo resolveu visitar as árvores no campo; não levou nenhuma ferramenta. Não demorou muito e encontrou subitamente no seu caminho a vaca do pasto ao lado — isso mesmo, uma vaca — que, ao deparar-se com um grande vão na cerca de arame farpado, resolveu tomar o seu café matinal no campo alheio. Após reconduzir o ruminante para o seu devido lado da cerca e posteriormente consertá-la, o Agricultor constatou que muitas mudas haviam sido pisoteadas, e este fato acinzentou um pouquinho o seu coração. Continuando suas andanças, percebeu pela escassez das chuvas que o solo estava muito seco, dificultando sobremaneira o desenvolvimento das plantas, levando mesmo algumas à morte, e isto acinzentou mais um pouquinho o seu coração. Não demorou muito e ele observou algumas árvores que foram duramente  atacadas pelas saúvas, e outras lutando para sobreviver em meio ao rústico e hostil capim africano que crescia desenfreadamente, levan