O Agricultor Imprevidente e a Cerca

Era uma vez um agricultor que na companhia do seu estimado cão, plantou com sua inseparável enxada um pé de abóbora no seu amado campo. Com o passar dos dias a abobreira cresceu e floriu, e grande foi o encantamento do agricultor com ela. 

Todos os dias o agricultor subia a colina onde ficava o seu campo para contemplar suas plantas e, sobretudo, admirar sua abobreira. Neste momento ele humildemente tirava o seu chapéu e agradecia ao Senhor dos céus:

— Gratidão Senhor dos céus pelo meu campo, pela abobreira com suas belas flores e por todas as abóboras que virão; agradeço também pelos mansos e dóceis bois que pastam no verdejante campo além da cerca e pelo meu inseparável e fiel vira-lata.

A resposta do Senhor dos céus era enigmática, sem palavras e sempre a mesma  o agricultor conseguia ouvir com o ouvido de sua intuição:

— Olhe a cerca meu filho, olhe a cerca!

O agricultor não conseguia entender muito bem aquela resposta. Ele sempre agradecia pela abobreira, pelo seu cão e os dóceis bois no pasto ao lado, e o Senhor dos céus sempre pedia para ele olhar a cerca  coisa mais estranha aquela.

O que foi narrado repetiu-se por muitas semanas, até que um dia, quase no final do inverno, o agricultor viu muitas abóboras dispersas pelo chão, quase todas elas no ponto de colheita. Imensa, enorme, incomensurável foi a sua alegria...

— Gratidão Senhor dos céus pela abobreira que produziu tanta abundância em forma de abóboras; gratidão pelo meu campo; gratidão pelos verdejantes campos do vizinho e pelos seus belíssimos e dóceis bois que a cada dia pastam mais próximos da cerca; gratidão pelo meu amigo vira-lata.

— Olhe a cerca meu filho, olhe a cerca! — respondeu como de costume o Senhor dos céus.

O agricultor continuava sem compreender a resposta — estaria ocorrendo algum problema na conexão com o Senhor dos céus?  Acerca de que Ele estava falando, acerca de que? No cair da tarde daquele domingo partiu ele feliz da vida do seu campo, com o firme propósito de no dia seguinte colher a primeira abóbora da sua amada abobreira.

Assim ele fez; acordou bem cedo na manhã seguinte — antes mesmo da sabiá — e foi para o campo colher o fruto do seu trabalho, a grande abóbora vermelhinha. Grande foi o seu pesar ao não encontrar a abobreira e nenhuma de suas lindas abóboras — teria ele errado o campo? Não, ele seguramente não errou o campo! Não demorou muito para o agricultor notar as pegadas dos bois que haviam devorado sua abobreira com abóboras e tudo e muitas outras plantas mais. Sua indignação foi tanta que ele, tomado pela ira, gritou alucinada e solitariamente lá do alto de seu campo e de sua contrariedade:

— AQUELES INCULTOS BOIS INVADIRAM O MEU CAMPO!

Com o coração cheio de amargura o agricultor achou que deveria tomar satisfações com o Senhor dos céus, que com todos os seus poderes celestiais não evitou aquele desagradável incidente rural, mas antes mesmo de bradar novamente seus impropérios  aos quatros cantos dos domínios universais, ouviu interiormente a mesma resposta que vinha ouvindo a muito tempo:

— Olhe a cerca meu filho, olhe a cerca!

Então ele percebeu finalmente que a cerca que rodeava o campo estava em péssimo estado de conservação, tão cheia de buracos quanto um queijo suíço; percebeu tardiamente também que os bois estavam cada vez mais próximos da cerca  nem tanto pelo capim, mas de olho na linda e suculenta abobreira, dentre outras coisas mais  e tardiamente descobriu que no buraco que passa um boi passa uma boiada inteira.

No dia seguinte o agricultor deixou sua enxada e suas sementes num canto, pegou seu martelo e caminhou para o seu campo onde passou toda a manhã semeando, não sementes pelo chão, mas grampos ao longo de toda a cerca esburacada. Os bois continuavam por ali e pareciam mais felizes do que nunca; "eles devem ter gostado das abóboras" — pensou o agricultor imprevidente e saudoso de sua linda abobreira, enquanto sorria e refletia acerca de tudo aquilo na companhia de seu inseparável cachorrinho vira-lata.

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