O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

O incidente narrado não ocorreu em Antares, uma cidade fictícia onde se passa a trama do magistral romance de Érico Veríssimo, porém, numa outra cidade, uma cidade real cortada pelo rio Paraíba do Sul, que faz uma volta redonda na tentativa de voltar para a sua nascente — nostalgia, talvez —, mas, logo em seguida muda de ideia, assume suas responsabilidades, faz uma segunda volta redonda e segue naturalmente o seu curso.

A mulher chegou do seu trabalho por volta das 12 horas, e, encontrando o marido trabalhando no computador, resolveu falar para ele sobre um fato ocorrido naquela manhã.

— Onde já se viu isto — falou a mulher —, fui criticada hoje por um colega de trabalho por estar usando uma calça rasgada e desbotada.

Observando a calça da mulher, o marido constatou que o colega dela de fato não havia mentido, mas, obviamente ele não comentou isto com ela.

— Marido, meu colega não entende nada de vestuário feminino; esta calça está na moda, é nova e cara, e foi comprada recentemente em uma loja, tendo sido parcialmente rasgada, desbotada e desfiada na própria fábrica — o marido simplesmente sorriu.

Alguns dias depois o marido precisou sair de casa para fazer algumas compras; a imagem da calça da mulher ainda vinha à sua mente, e então, ele que nunca havia ligado para estas questões de modismos, pegou no seu guarda-roupa uma velha calça desbotada, desfiada, rasgada e manchada pelo uso nas suas lidas diárias. "Minha mulher vai adorar esta calça", pensou ele, "finalmente estarei vestindo a moda já beirando o outono de minha vida" — grande era a sua alegria.

Vestido então com sua calça surrada, dirigiu-se para a garagem, e neste momento foi notado por sua mulher — ele desejava aquilo, seus quinze segundos de glória  que o olhou de cima a baixo — as mulheres possuem olhos de águia. 

— Marido, não é possível que você tenha a coragem de ir à rua com esta calça desbotada e rasgada, não é possível. O que os outros vão achar? O que os outros vão pensar? Onde já se viu uma coisa destas, você tem boas calças para vestir, francamente marido, francamente...

O marido não entendeu absolutamente nada, "será que estou trocando alhos por bugalhos?", pensou ele instantes depois, já dentro do automóvel, avistando lá do alto do morro, ao longe, o rio Paraíba do Sul seguindo tranquilamente o seu caminho em direção ao Atlântico Sul, depois da sua segunda volta redonda. "O rio na sua sabedoria inata é sempre fiel ao seu curso e à sua foz" — refletiu ele dentro de sua velha calça jeans indigo blue.

Comentários

  1. Que lindo! Ela pode e ele não?
    Muito egoísmo da mulher dele.
    Pior, tem pessoas assim.
    Abraço.

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  2. Muito engraçado! Estou visualizando a cena. Muitas verdades dependem do ponto de vista do observador 😃 🙂 😅

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  3. Rapaz, é melhor fazer como o velho Rio: segue seu curso… Eu também não entendi o porquê dela não ter gostado da sua calça rasgada se ela usa as suas rasgadas também… A gente ainda vai entender as mulheres! Segue o seu curso…

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  4. O nosso querido agricultor aprendeu, e nos ensina, que a moda não tem lógica. As esposas, bem, obedece quem tem juízo…

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