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Mostrando postagens de novembro, 2019

O Meu Pessoal Estado de Buda

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Eu era jovem e estava namorando uma bela de olhos verdes. Gostava muito de ir à casa dela, e confesso com sinceridade que, além dela, gostava também de alguns livros sobre o budismo que eu encontrava na estante. Lendo alguns daqueles livros, vim a conhecer a história do príncipe Gautama, que conseguiu atingir a iluminação meditando durante muitos meses sob uma grande figueira, alcançando um estado constante de paz; decidi então que um dia seguiria o mesmo caminho dele, o caminho da iluminação, o caminho do Buda. Com o passar do tempo esqueci completamente aquela ideia, e fui, como quase todos, arrastado pelas atividades do dia a dia — filhos, profissão, obrigações, rotina... Alguns anos depois, um pouco mais velho — talvez ficasse melhor mais antigo —, já um pouco cansado de tantas coisas do mundo, resolvi finalmente começar o processo de meditação — os livros ainda estavam lá, bem como a menina dos olhos verdes —, e então, não foi muito difícil encontrar nas proximidade de mi

A Caminhada dos 12 Passos

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Antes do Programa de 12 Passos,   eu era um sofredor compulsivo, e neste estado mental era completamente governado por um mar de emoções negativas: M edo, ressentimento, raiva, indiferença, solidão, mágoa, angustia, etc  —  tudo isto dentro de um imenso oceano de pensamentos negativos. No período mais ativo na doença  —  doenç a da emoção, doença da negação, doença da codependencia, doença da adicção, etc  —,  antes das salas, eu tinha a mais profunda convicção de que todos os  sentimentos narrados acima eram de responsabilidade dos outros, e que eu era uma vítima infeliz de um mundo repleto  de pessoas mesquinhas e intolerantes  —  eu era o centro do mundo, a grande vítima da intolerância alheia, o Messias injustiçado, o peixe fora d'água...  Com a constante frequência às reuniões, através dos depoimentos e prática dos Passos e Tradições do Programa de 12 Passos, fui percebendo  o meu grau de insanidade, e pouco a pouco minhas máscaras foram, assim como máscaras de cer

O Tirano

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A doença da alma, ou doença da negação, ou codependência, ou neurose, ou adicção, ou ...  —  tantos nomes para a mesma dor  —     é um fardo pesado de carregar; é assim como uma mala grande, sem alças e sem rodinhas na subida da ladeira da Consolação, lá na capital dos paulistas.  Tenho dificuldades de dizer não; na hora do não meu coração dispara e vem um pensamento infernal: O que o outro vai pensar de mim. Sou um escravo deste outro imaginário e tirânico que vive em mim. Ele norteia a minha vida, e muitas vezes é quem diz o que eu posso ou não fazer. Este tirano acompanha todos os meus passos e vigia-me a cada instante, e ele não gosta de não; ele não gosta de alegria; ele não gosta de liberdade; ele não gosta de espontaneidade; ele não gosta de ser contrariado; ele tão somente gosta de controle e opressão. Muita da minha codependencia está ligada a este tirano imaginado em mim, ou seria,  —   quem sabe?  —  um ser real que feriu profundamente a criança que eu fui?  Gra

O Oitavo Homem Errado

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Eramos oito na reunião, e o clima estava quente; não conseguíamos chegar a nenhum consenso, no ar muitas palavras não ditas, e entre cada participante um mar de ressentimentos e sentimentos escondidos — como azes em um jogo de cartas. Eu estava muito aborrecido com tudo aquilo, e aos poucos, tal como um baiacu, fui inchando, inchando de raiva, de ressentimento, de mágoa, de intolerância... Todos na reunião eram pessoas de bem, e eramos todos dirigentes de uma casa espiritual, discutindo assuntos pertinentes a organização. Mas o clima estava pesado — aquela situação já vinha se arrastando a algum tempo —, e entre os oito haviam alguns tentando impor sua vontade em relação aos demais — eu silenciosamente não aceitava aquilo. Em certo momento, no meio da reunião, minha vontade foi virar a mesa, apontar o dedo para alguns de meus colegas — ou seriam meus inimigos viscerais — e dizer com todas as letras que eles estavam errados, todos errados, e que naquela mesa, era eu que

Todos os Dias

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Todos os dias, desde que eu tive consciência que existia, desde que eu era menino. Todos os dias, sorrateiramente ela visita-me. Todos os dias, com chuva ou sol, inverno ou verão, todos os dias, gentilmente ela visita-me. São mais de cinquenta anos ininterruptos, sem faltar um único dia sequer, todos os dias, sutilmente ela visita-me.  A presença dela é tão constante em minha vida, que muitas vezes tenho a impressão que ela faz parte da minha humana natureza; todos os dias, anonimamente ela visita-me.  A estada dela em minha casa incomoda-me, e quando ela chega, fico quieto, pensativo e triste; a visitante trás uma dor profunda, constante e indecifrável. Todos os dias, inesperadamente ela visita-me.  É como se fosse uma carência, não sei se de pai, ou de mãe, ou de Deus, mas a dor que sinto é seguramente uma dor de ausência, uma dor de orfandade sem fim. Todos os dias, elegantemente ela visita-me.  No bojo desta dor, quase companheira de tão próxima, quase amante de tã

Os Sapatos do Caminhoneiro Solitário

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Era verão e o menino estava de férias; seu pai, o Caminhoneiro Solitário , faria naquele dia uma viagem curta  —  voltaria no mesmo dia  —  à cidade do Rio de Janeiro; desta forma, o menino e o seu irmão foram passear na grande carreta.  Depois de algumas horas na estrada o Caminhoneiro Solitário e os seus filhos pararam para almoçar. O menino nunca havia entrado em um restaurante em sua vida, e a imagem daquele local foi tão marcante, que ele passou ao longo de toda a sua vida a ter uma relação quase santa com as mesas, os garçons, os pratos, o cheiro que vinha de algum local invisível, as conversas paralelas, os ventiladores no teto, as garrafas, os aventais...  —  o menino passou a amar todos os restaurantes do mundo. Durante o almoço o menino disse ao pai que queria beber um refrigerante  —  aquela era uma rara oportunidade de degustar aquela maravilha cheia de bolhas.  — Beba água meu filho, refrigerante não alimenta ninguém!  —  Retrucou o Caminhoneiro com a maior nat

Assim Nasce Um Estado

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Sua benção meu Poder Superior, conforme eu o concebo, sua benção. Estava precisando enviar umas palavrinhas meu Pai Divino, mas havia perdido o seu endereço, porém, felizmente o reencontrei lá no Quarto Passo. Começo dizendo que não existem culpados — não gosto mais desta palavra —, não existem algozes ou vítimas, heróis ou bandidos... Depois de tudo o que aconteceu, restou tão somente a minha humana condição. Pai Divino, quando eu era criança, mesmo antes de falar e andar, eu recebi por um tempo muito amor e atenção de minha mãe, e aquilo era um estado feliz — tudo para mim a tempo e a hora. Com o passar do tempo, nos momentos de ausência de minha mãe, fui passando a sentir um certo desconforto com tudo o que me rodeava — mamãe nem sempre podia estar presente. Naquela época eu tinha a mais absoluta convicção de que tudo o que existia girava em torno de mim — eu era o único e era o centro de todo o universo. Quando as coisas não aconteciam no meu tempo — eu queria mamãe a