Assim Nasce Um Estado
Sua benção meu Poder Superior, conforme eu o concebo, sua benção. Estava precisando enviar umas palavrinhas meu Pai Divino, mas havia perdido o seu endereço, porém, felizmente o reencontrei lá no Quarto Passo. Começo dizendo que não existem culpados — não gosto mais desta palavra —, não existem algozes ou vítimas, heróis ou bandidos... Depois de tudo o que aconteceu, restou tão somente a minha humana condição.
Pai Divino, quando eu era criança, mesmo antes de falar e andar, eu recebi por um tempo muito amor e atenção de minha mãe, e aquilo era um estado feliz — tudo para mim a tempo e a hora. Com o passar do tempo, nos momentos de ausência de minha mãe, fui passando a sentir um certo desconforto com tudo o que me rodeava — mamãe nem sempre podia estar presente. Naquela época eu tinha a mais absoluta convicção de que tudo o que existia girava em torno de mim — eu era o único e era o centro de todo o universo.
Pai Divino, quando eu era criança, mesmo antes de falar e andar, eu recebi por um tempo muito amor e atenção de minha mãe, e aquilo era um estado feliz — tudo para mim a tempo e a hora. Com o passar do tempo, nos momentos de ausência de minha mãe, fui passando a sentir um certo desconforto com tudo o que me rodeava — mamãe nem sempre podia estar presente. Naquela época eu tinha a mais absoluta convicção de que tudo o que existia girava em torno de mim — eu era o único e era o centro de todo o universo.
Quando as coisas não aconteciam no meu tempo — eu queria mamãe a cada segundo —, eu ficava muito triste, então, protestando novamente, seiscentos anos depois Lutero, eu chorava, gritava e rolava no meu berço — eu queria toda atenção. Mas nem sempre a atenção vinha, e muitas vezes, percebia que haviam coisas estranhas do lado de fora — duros olhares, lágrimas contidas, ausências, segredos, dores não reveladas, silêncios carregados de dor, faces fechadas, sorrisos represados... — um estado infeliz. Poder Superior, apesar de não conhecer as letras naquela época, eu, de alguma forma, conseguia ler nas expressões das pessoas que alguma coisa não estava bem, e aquele estado infeliz de coisas me incomodavam.
Eu era o único e eu era o centro Pai; então, por ser o centro e único, comecei a achar que tudo aquilo era por minha causa, comecei a achar que eu era o responsável por aquele estado infeliz de coisas que me afetavam tanto — eu podia controlar todo o universo. Por não estar me sentindo bem naquele estado infeliz, comecei a mudar o meu jeito tentando agradar a todos, na esperança de que desta forma o estado feliz se perpetuasse.
O que eu desejava de fato era viver para sempre no meu estado feliz — o aconchego eterno do útero de mamãe. Então, pouco a pouco fui percebendo que aquele estado feliz estava desaparecendo, pouco a pouco fui percebendo que nem tudo era do jeito que eu queria — estava sendo paulatinamente expulso do meu paraíso.
Até que eu comecei a sentir algo muito estranho; comecei a sentir um certo temor por alguns daqueles que me rodeavam, pois muitas vezes, através da conduta de alguns deles, passei a sentir-me agredido, abandonado, censurado, rejeitado, ignorado, desprezado... — uma temerosa ameaça ao meu estado feliz. Neste estado confuso de emoções, eu imaginei que através do meu pensamento eu poderia construir um pequenino muro para tentar proteger o meu estado feliz da invasão dos usurpadores externos — o muro dos tijolinhos mentais.
Por mais esforço que eu fizesse, eu não conseguia controlar aquele estado infeliz exterior, e então, para não permitir a invasão do estado feliz que eu desejava para sempre, eu fui, dia a dia, como um pedreiro competente e disciplinado, expandindo mais e mais o meu muro protetor com os meus fartos tijolinhos mentais, protegendo dia a dia o meu amado estado feliz — começava a ruptura com a realidade.
Pai, quando sentia o desconforto pela ausência de mamãe — ela nem sempre podia estar lá —, vinha o vazio, vinha o desespero pela possibilidade do fim do estado feliz, e então, mais um tijolinho para proteger a minha felicidade. Era uma ideia brilhante Pai: Mamãe não estava lá, então eu me desligava da realidade e corria para dentro do meu estado feliz cercado pelos meus tijolinhos, até que mamãe voltasse; os usurpadores de minha felicidade estavam lá, então eu rapidamente fugia para o meu estado feliz, ficando lá escondidinho atrás dos meus tijolinhos, até que eles fossem embora; um grito, uma discussão, uma cara feia... Lá ia eu para trás do meu muro de tijolinhos, a fim de não sentir aquilo, e ficar na paz do meu mundinho feliz de tijolinhos mentais.
Poder Superior, quando o clima esquentava do lado de fora, com mágoas, rancores e dores — eu conseguia sentir aquilo tudo —, então eu corria e colocava mais um tijolinho no meu muro a fim de proteger o meu paraíso pessoal, o meu estado feliz — o muro começou a crescer, o muro começou a subir; na mesma época, lá na Europa, ia crescendo também o muro de Berlim.
Ocorreu então a tragédia de minha vida Pai — até parece coisa da divisão das Alemanhas —, pois um dia, depois de milhares de tijolos — para cada dissabor mais um tijolinho —, percebi que o meu mundo feliz estava todo cercado e protegido, e que eu poderia viver ali dentro feliz para sempre, sozinho no meu mundinho, o Rei e o deus do meu mundinho, o centro do meu mundinho, um mundinho somente meu, um mundinho totalmente egocêntrico, meu mundinho feliz ocidental — o sol nasce no oriente.
O pensamento do estado feliz agora fortificado e protegido tomou conta de minha mente Pai, até que um dia — depois de milhares de tijolinhos no meu muro —, não me lembro exatamente qual, eu rompi parcialmente com a realidade, e passei a viver lá dentro. Digo parcialmente pois a ruptura não foi total — haviam buracos no muro —, mas certamente passei a viver mais no meu mundo feliz idealizado — setenta por cento do tempo —, onde eu era o deus, do que no Seu mundo real, onde Tu és o Deus.
Desta forma Pai, tentando proteger o meu estado feliz, eu criei o meu próprio estado, o estado egocêntrico, na esperança de viver eternamente em paz e confortavelmente, passando a viver, desde então, em dois mundos — o real e o imaginário.
Com o passar dos anos meu estado feliz foi crescendo cada vez mais, pois eu agora era um grande soberano — ave César — que queria a cada dia expandir mais e mais os meus vastos domínios mentais — meu vasto império de ilusões. Mas Senhor, apesar de todo o grande muro fortificado e da imensa vastidão controlada por mim, eu fui perdendo o controle de tudo aquilo, e o pior, já não mais conseguia sentir aquela felicidade tão doce da época da mamãe, e com o passar do tempo foi nascendo em mim, mesmo dentro do meu estado feliz fortificado pelos meus tijolinhos, um sentimento de angústia, medo e vazio, um infinito vazio.
Para piorar ainda mais as coisas, tal como no antigo império romano, meus domínios passaram a ser invadido de forma constante pelos bárbaros, não os antigos povos bárbaros, mas os meus bárbaros sentimentos: Solidão, ressentimento, raiva, indiferença, vergonha, baixa alto estima, insegurança, etc, etc, etc.
Senhor da Vida, estava eu agora preso dentro do meu próprio mundo, rodeado por inimigos interiores — todos os outros —, querendo sair e não conseguindo, ferido e sofrido, tentando com sofreguidão sair daquele estado de ilusão, o meu suposto estado feliz, totalmente tomado pelos meus indesejáveis pensamentos negativos — os bárbaros.
Admito Senhor, que tentando fugir de um suposto inferno exterior — a realidade —, criei um dantesco inferno interior — um mundo de fantasias; admito Senhor, que o meu plano fracassou e que sofri e ainda sofro vivendo lá dentro; admito Senhor, que tudo isto é fruto do meu humano egoísmo — miopia espiritual; admito Senhor, que o pior estado do mundo é o estado egocêntrico, onde tudo gira em torno de mim — um estado de solidão e depressão; admito Senhor, que o imperador do meu equivocado estado feliz está em coma, em estado terminal, e com a iminente morte dele, eu humildemente lhe suplico: Senhor, ajude-me a viver plenamente no seu estado, o estado do aqui e agora, o estado do presente, o estado de todos os seres, o estado do só por hoje, o estado da aceitação da realidade e da manifestação do amor em mim, pois Senhor, o meu antigo estado, o meu ilusório e melancólico estado infeliz — um verdadeiro estado de sítio —, está, felizmente em ruínas, tal qual o antigo estado dos grandes imperadores romanos.
O imperador falido e derrotado que eu sou, aqui e agora, diante de minha pequenez humana Te saúda: Ave Poder Superior de minha própria compreensão, Senhor único e absoluto de todo o universo; para Ti minha eterna gratidão; para Ti toda a honra e toda a glória.
Reconciliação linda e libertadora!
ResponderExcluirDo orgulho à humildade!
Obrigada pela lição!