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Mostrando postagens de outubro, 2015

O Voo da Andorinha

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Ah Mamãe se eu soubesse naquele dia que aquele seria o último abraço, certamente a teria abraçado com mais afeto e carinho, teria sido mesmo um abraço eterno de amor e gratidão... Ah se eu soubesse da sua partida próxima, talvez tivesse ficado mais um pouco, ou mesmo a noite inteira, ou ainda por toda a eternidade, pois sua presença me enchia de alegria, e o amor que irradiava do seu coração muitas vezes chegava às regiões desérticas de meu ser, transformando terras áridas da emoção em oásis de esperança... Ah costureira querida, se eu soubesse, naquele dia teríamos falado mais sobre suas queridas rosas e antúrios, falaríamos também sobre aquele dente de alho que a senhora cortou ao meio e plantou dias atrás, ensinando-me como se fazia lá na roça, teríamos conversado um pouco sobre aquela sua gatinha branca que um dia sumiu, e depois, com suas orações e fé inabalável, retornou, enchendo o seu coração de alegria, ou ainda que a senhora, através da alquimia do amor, transformou mamão

O Menino das Pernas Tortas

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O menino nasceu com as pernas tortas, tal como Garrincha, o maior ponta da história, porém, ao longo de sua  vida, apesar de ter desejado muito, nunca teve vocação para jogador de futebol, no seu bairro de periferia pobre, no campinho de terra batida, sob a sombra de centenárias mangueiras amigas,  era seguramente considerado o pior entre os piores,  e com as pernas já alinhadas, nunca conseguiu muito sucesso dentro das quatro linhas, provavelmente, após a correção o mundo tenha perdido um grande jogador, em contrapartida, talvez, quem sabe, por algum efeito colateral, ganhou um homem simples, eterno amante das árvores, que cuida delas em suas horas vagas. E a deformidade era tanta, que quando o garoto andava, tocava um joelho no outro, de forma que era preciso corrigir o problema, e a solução na época era a utilização de botas com um fundo metálico, botas que pesavam uma tonelada ou mais, e o menino usou por um bom tempo. E ele andava arrastando aquelas pesadas botas, a fim de corr

Las Manzanas Argentinas

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O menino, desde pequeno, sempre acompanhava a mãe nos domingos na ida à feira livre. Para ele era um passeio, e ao mesmo tempo já conseguia ajudar dividindo o peso das bolsas com a genitora. Eles iam cedo, geralmente antes das oito da manhã, pegavam o ônibus no ponto perto da casa, o menino ia sempre do lado da janela, e ia em pé, não sentava, ficava admirado olhando a paisagem. A feira ficava no bairro da Vila, região central da cidade, um bairro bonito com ruas e casas bem projetadas pelos norte americanos, em uma rua contínua, de forma que eles entravam no começo da rua, ou da feira, iam fazendo as compras, e no final da rua, ou como queiram, da feira, as bolsas já estavam cheias e então, eles dirigiam-se para o ponto de ônibus, a fim de voltarem para casa. Na entrada da feira havia algo que encantava o menino, mesmo antes de chegar até aquele ponto, ele já avistava as caixas e sentia o perfume adocicado das manzanas argentinas. As frutas, vermelhinhas, vermelhinhas, ficavam acon

O Jovem que Rasgava os Textos

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Ipê Roxo Por muitos anos o jovem escrevia os seus textos; invariavelmente começava assim: "Hoje é dia 23 de março de 1995, lá fora os pássaros cantam, sinto dentro de mim uma angústia...", e ele ia escrevendo, escrevendo, as palavras, frases e sentenças iam aos poucos brotando de dentro dele, de forma natural, e ao final, lia tudo o que havia escrito, e aí, algo curioso acontecia, com medo de que alguém pudesse vir a ler o que ele havia colocado no papel, ele simplesmente rasgava o texto em muitos pedacinhos e o jogava fora.  Este processo repetiu-se por muito tempo, muitos textos foram perdidos, o jovem não desejava mostrar para ninguém o que sentia dentro de si mesmo, é como se ele fosse uma ilha e não desejasse de forma alguma ligar-se ao continente. "Hoje é dia 18 de março de 1979, estou indo embora da casa do meus pais, vou estudar fora, tenho tanto medo de fracassar, tudo é tão assustador....". Mais um texto perdido e jogado ao vento.  "Hoje é

Um Pássaro Chamado Depressão

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Palmeira Juçara Um homem queria muito um pássaro; foi então à uma loja especializada procurando o que ele tanto desejava. Na loja, ele conversou com o vendedor, que vendeu para ele um pássaro muito, muito especial. Esta ave tinha a peculiaridade de alimentar-se de sentimentos humanos; comia também como as demais, milho, alpiste, frutas e verduras, e então, o vendedor, que no fundo era um sábio,  não informou ao comprador a singularidade da ave alimentar se também das emoções - aquilo seria um segredo -, algo que ele deveria descobrir por si mesmo,  e desta forma vendeu o pássaro para o cliente.  O homem ficou muito feliz com a aquisição, o passarinho era um filhote muito pequeno ainda, então, ele o levou para a sua casa, colocou-o em uma gaiola e deu a ele o nome de depressão. Todos os dias o homem doava para o pássaro muita alegria e carinho, e o pássaro crescia a olhos vistos, sempre muito contente, e com este tratamento tão afetuoso, depois de algum tempo, já estava cantand

As Árvores Também Morrem

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Miúda, a Vira Lata O agricultor passava dias e dias sonhando com a palmeira juçara, onde ele morava não havia nenhuma muda em lugar nenhum, ele já havia plantando muitas palmeiras da mata atlântica, mas ele desejava muito a juçara, esta, quando ele conseguisse uma muda seria plantada com muito carinho. Até que um dia, estando ele na beira de uma rua plantando árvores, observou que um carro parou ao seu lado, e do seu interior saiu um Senhor que ofereceu para ele a tão sonhada muda, o homem disse que havia ganhado aquela planta e não sabia o que fazer com ela, e como passava por ali todos os dias percebeu que o agricultor poderia mesmo cuidar dela. O universo conspirava a seu favor, pensava o agricultor todo feliz, que agradeceu e levou a pequena palmeira para a sua casa. Sete anos depois, a planta estava grande, bonita, uma palmeira tão depredada pela mata atlântica, correndo mesmo risco de desaparecer, e o agricultor ficava tão orgulhoso de tê-la ali, logo na entrada da mata, rod

Os Carretéis da Costureira

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Frutos da Mangueira Enquanto a mãe costurava, o menino ficava ali por perto brincando agachado no chão entre os retalhos de tecidos  com os seus soldadinhos de plástico. Enquanto brincava ia observando a máquina de costura, mais precisamente o ponto onde o carretel ia sendo desenrolado, liberando fios para a confecção de alguma peça de roupa. Quando a linha chegava ao final, sua mãe fazia a recarga e dava para ele o velho carretel, que ele guardava em sua caixa de aviamentos de costura, também doada pela mãe.  Depois de alguns dias o processo se repetia, ele ganhava da mãe um outro carretel, e agora, com dois já era possível criar alguma coisa. Os únicos brinquedos eram os soldadinhos que ele adquiria quando comprava balas na venda do seu Lobo, bem que ele gostaria de andar de bicicleta, ou velocípede, ou quem sabe, brincar com aqueles autoramas tão bonitos que ele via nas lojas, mas tudo isto eram apenas sonhos, a família era numerosa, o que seus pais ganhavam era apenas o suf

Isaac e Sebastião

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Sebastião, o amigo de Isaac Muitos anos já se passaram, mas a figura do Sr. Isaac Spritzer nunca deixou de povoar as terras de minhas emoções.  Lembro-me bem de sua aparência, olhos fundos e profundos, alguma coisa em sua figura sempre me inspirou algo, talvez admiração, ou respeito, não sei ainda hoje definir o que é. Isaac nasceu na Polônia, viu seu país ser invadido na segunda guerra mundial, foi preso, viveu em campo de concentração, lembro-me bem de observar que no braço dele havia um número gravado, deveria ser o seu código de inscrição no campo, porém, não sei como, ele conseguiu fugir, e veio parar nas terras do Brasil, chegou ao Rio de Janeiro, e mais tarde foi se estabelecer  na minha cidade Natal, Barra Mansa região Sul do Estado do Rio de Janeiro.  Ele não veio só, sua amada também o acompanhou, mulher forte, bondosa e simples como o próprio nome, Maria. Na mesma guerra, esta estupidez humana, lutou o meu pai, como expedicionário, tendo ficado na Itália por três anos,

O Regador Divino

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E o agricultor ia fazendo a semeadura, estava contente, muitas e muitas mudas começavam a brotar, e cada novo broto era uma promessa de uma nova árvore, e isto o deixava bastante feliz. A primavera começava a chegar, aos poucos ia esquentando, e as plantas precisavam ser regadas com regularidade, caso contrário, muitas poderiam morrer, principalmente as mais novas. E como ele não podia estar com as plantas todos os dias, pois trabalhava noutra cidade, a mais de cem quilômetros de distância, fazia as regas nas sextas, sábados e domingos, nos outros quatro dias ele torcia muito para que elas suportassem a ausência de água e carinho, pois ele amaria estar ali todo dia, mas ele sabia também que o pão não caia do céu, ou seja, precisava trabalhar. Para segurar a umidade nos saquinhos, ele misturava terra com folhas e este processo vinha dando resultado, o número de baixas de mudas era relativamente baixo, mesmo nos dias mais quentes de verão, e além disto, as plantas ficavam sempre à mei