Um Pássaro Chamado Depressão
Palmeira Juçara |
Esta ave tinha a peculiaridade de alimentar-se de sentimentos humanos; comia também como as demais, milho, alpiste, frutas e verduras, e então, o vendedor, que no fundo era um sábio, não informou ao comprador a singularidade da ave alimentar se também das emoções - aquilo seria um segredo -, algo que ele deveria descobrir por si mesmo, e desta forma vendeu o pássaro para o cliente.
O homem ficou muito feliz com a aquisição, o passarinho era um filhote muito pequeno ainda, então, ele o levou para a sua casa, colocou-o em uma gaiola e deu a ele o nome de depressão. Todos os dias o homem doava para o pássaro muita alegria e carinho, e o pássaro crescia a olhos vistos, sempre muito contente, e com este tratamento tão afetuoso, depois de algum tempo, já estava cantando em sua gaiola.
O tempo foi passando, e o homem começou a enfrentar dificuldades pela vida, e estas dificuldades geravam nele sentimentos de medo, melancolia, solidão, tédio, indiferença e outros mais, que também eram assimilados pelo pássaro, que se nutria de todos eles, e então, dia após dia, a ave foi deixando de cantar, não pulava mais nos poleiros da gaiola, ficava sempre encolhida em um canto, fazendo mesmo jus ao seu nome, depressão.
O homem foi ficando triste, ele gostava muito do pássaro, porém ele percebia que a ave não estava bem, era uma ave tão feliz, e agora... Ele achou que havia algum problema com o passarinho, e como era mesmo afetuoso, levou-o a um veterinário que o examinou e não descobriu nenhuma doença, sugerindo ao dono que o colocasse em um espaço maior, talvez um grande viveiro, e que arrumasse uma companheira para ele, possivelmente, desta forma o pássaro iria reencontrar a alegria de viver.
Assim foi feito, o pássaro agora vivia em um grande e bonito viveiro, uma fêmea foi comprada para fazer-lhe companhia, o homem ficou tão feliz, e consequentemente, o pássaro que se nutria de suas emoções também, e então o homem achou que estava tudo resolvido, o passarinho estava novamente feliz.
Mas o homem continuava sentindo dificuldades diante da vida, vivia contrariado, achava que o mundo conspirava contra ele, achava que seus sonhos nunca se realizavam e este estado mental, nutrido inconscientemente por ele mesmo, foi levando-o novamente a sentimentos melancólicos, falta de fé e alegria de viver, vazio existencial, e desta forma, seu pássaro foi também assimilando tudo isto, e consequentemente ficou tal qual o dono, deprimido também.
O homem não conseguia entender porque o pássaro não era feliz, não faltava nada para ele; possuía agora uma companheira, tinha água, casa, comida, um viveiro confortável, e no entanto estava sempre melancólico pelos cantos, que ave estranha era aquela, pensava o homem.
O tempo foi passando, às vezes o homem conseguia alguma coisa que ele desejava, ora algum dinheiro extra, ou uma nova namorada, ou um carro novo, ou mesmo uma viagem, ou outra coisa qualquer, e nestes dias sentia-se bastante contente, e também nestes dias seu pássaro cantava, porém, em outros dias, o homem sentia-se derrotado, e aí seu querido pássaro não mais cantava, ficava lá encolhidinho no seu poleiro, alheio a tudo.
Haviam dias em que o homem estava tão angustiado, a ponto de morrer de tanta dor interior, e também nestes dias o passarinho ficava muito, muito mal, e aquele estado melancólico do pássaro doía no coração daquele homem, que gostava tanto daquele ser alado. Ele tentava descobrir porque o pássaro tinha tantos altos e baixos de humor, qual seria afinal de contas o enigma que envolvia aquela ave?
Até que, depois de muito, muito tempo, depois de muito pensar a respeito de tudo aquilo, o homem finalmente descobriu que o estado de espírito do passarinho era justamente o seu próprio mundo interior, as suas próprias emoções; na verdade ele descobriu que no fundo era ele, o homem, que alimentava a ave, a depressão, todos os dias com seus estados mentais inferiores.
Aquela descoberta doeu fundo nele, por tantos anos ele viu o pássaro sofrendo, e agora ele sabia que era ele o responsável pelo sofrimento da ave, que nada mais era do que o reflexo dos seus próprios sentimentos, e então, daquele dia em diante, por amor ao pássaro, e também por amor a si mesmo, aquele homem mudou seus padrões mentais, passou a ser alegre, calmo, confiante, tolerante; desenvolveu em si a humildade, o amor, o perdão, e paralelamente a sua ave foi ficando cada dia mais alegre, mais feliz, pulava contente pelos poleiros do viveiro, cantava em alto e bom som...
O homem sentia-se tão feliz, uma felicidade infinita vindo de dentro dele, e agora para ele era mesmo inadmissível manter aquele pássaro ali cativo. Então, ele abriu a porta da gaiola, e de lá o pássaro saiu, bateu suas asas pela primeira vez na vida e voou; voou para bem longe, voou para o infinito...
A paz que o homem sentia era tão grande, que ele finalmente abriu as asas de sua emoção, e descobriu que a vida era mesmo uma aventura maravilhosa, extraordinária, e sua leveza era tanta, que ele também voou, voou para todo o sempre, voou como o seu querido pássaro, voou enfim, como todos os pássaros do céu.
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