Las Manzanas Argentinas

O menino, desde pequeno, sempre acompanhava a mãe nos domingos na ida à feira livre. Para ele era um passeio, e ao mesmo tempo já conseguia ajudar dividindo o peso das bolsas com a genitora. Eles iam cedo, geralmente antes das oito da manhã, pegavam o ônibus no ponto perto da casa, o menino ia sempre do lado da janela, e ia em pé, não sentava, ficava admirado olhando a paisagem. A feira ficava no bairro da Vila, região central da cidade, um bairro bonito com ruas e casas bem projetadas pelos norte americanos, em uma rua contínua, de forma que eles entravam no começo da rua, ou da feira, iam fazendo as compras, e no final da rua, ou como queiram, da feira, as bolsas já estavam cheias e então, eles dirigiam-se para o ponto de ônibus, a fim de voltarem para casa. Na entrada da feira havia algo que encantava o menino, mesmo antes de chegar até aquele ponto, ele já avistava as caixas e sentia o perfume adocicado das manzanas argentinas. As frutas, vermelhinhas, vermelhinhas, ficavam acondicionadas nos caixotes, todas envoltas em papel de seda azulado, e o cheiro, a forma, a cor, a beleza das frutas enfim, enchiam o imaginário da criança, aquelas beldades deveriam ser uma delícia, o néctar dos deuses, pensava ele. Mas havia um porém, as frutas eram caras para o orçamento da costureira, o menino sabia disto, na bolsa haveriam muitas verduras e legumes, haveria também bastante laranja, mas as manzanas, nem pensar. E como o menino sabia que não era possível comprar aquelas maravilhas, ele simplesmente alimentava-se do cheiro delas, não incomodava sua bondosa mãe com desejos fora do alcance dela, e lá no fundo ele dizia, de si para si, que chegaria o tempo em que ele comeria uma ou várias daquelas delícias vindas lá das terras portenhas do sul do continente. Um dia ele sentiu o seu sonho quase realizado, na casa de sua tia, que era vizinha de sua mãe, casa que tinha um lindo pessegueiro nos fundos, e era coberta de telhas francesas, onde ele viveu os primeiros anos de sua infância.  Neste dia, sua tia Lourdes, a irmã do caminhoneiro solitário, dava  para a sua prima, aquela com o nome de flor, uma maçã, que a tia carinhosamente e aos poucos ia raspando e dando para a pequena filha sentada em um carrinho de bebê. Talvez por timidez,  ou mesmo por saber que a fruta era somente para a criança, ele não pediu à tia um pedaço, um outro dia quem sabe, pensou ele. E os dias foram passando, muitos e muitos dias que transformaram-se em semanas, meses, anos e lustros, porém, a lembrança das manzanas na entrada da feira nunca o abandonou. Uma década e meia depois, o menino transformado em um estudante universitário, vive longe, na capital dos cariocas, os tempos são difíceis, o dinheiro é muito curto, porém as coisas começam a mudar, ele consegue passar na prova de monitoria da faculdade e então finalmente começa a ganhar o seu próprio dinheiro, não era muito, mas já ajudava bastante. E quando ele recebe o seu primeiro salário, de uma forma surpreendente, o seu velho desejo retorna, as queridas manzanas argentinas repovoam a sua mente, finalmente havia chegado o tempo, como diz o livro, existe tempo de colher, de semear, de crescer, de viver, de viver e de morrer, e agora para ele era chegado o tempo de comer aquelas manzanas. A feira livre estava bem longe, mais de cem quilômetros de distância, mas perto da república onde ele morava havia um supermercado, e então o jovem foi até lá a fim de realizar o velho sonho. Foi ao setor de frutas e lá viu as manzanas, achou um pouco estranho não sentir o perfume, como na infância, talvez, pensou ele, fosse pela refrigeração. Pegou algumas, foi ao caixa, pagou, e então seguiu para a república. Foi andando bem devagarinho, o coração chegava mesmo a disparar, estava feliz, naquele momento único para ele, somente naquele momento, Maradona era mesmo melhor que Pelé, e foi seguindo o seu caminho não cabendo em si de contentamento. Era uma sexta feira, naquele final de semana ele ficaria na capital, não iria para o interior, então, sozinho no apartamento, pegou a fruta com todo o carinho do mundo, lavou, admirou, admirou, e mordeu um pedaço. Que decepção, além de não ter mais aquele velho perfume, a fruta também não tinha lá muito gosto, parecia algo artificial, era como se ele estivesse sentindo o paladar de remédio e não de fruta. Um pouco frustrado e devolvendo a majestade a Pelé,  ele percebeu, que com o tempo, talvez os agricultores lá dos pampas, por pressão de demanda, ou outro fator qualquer, passaram a produzir mais frutos, utilizando herbicidas e adubos químicos, de forma que as macieiras pressionadas e estressadas, deixaram de prover para as frutas perfume, doçura e paladar. E desde então, o menino que virou um homem ainda sonha com a entrada da feira e com o perfume daquelas lindas manzanas argentinas que ele nunca experimentou, e nos seus pensamentos ele percebe que Eva foi expulsa do paraíso por ter comido a maçã, e ele, contradições da vida, jamais entrara lá justamente por não ter experimentado do fruto na sua infância, e rindo de si para si, de vez em quando lembra do samba do Zeca Pagodinho, faz uma pequena mudança na letra, e canta:  "Manzanas Argentinas é fruta de rico, curioso fico, só sei que se come. Manzanas Argentinas, eu já vi, não comi, eu só ouço falar...".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar