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Mostrando postagens de outubro, 2014

Eu sou, tu és, ele é...

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Ao fundo ipê branco da casa da costureira E no canto do quarto de costura de sua mãe o menino estudava os verbos e suas inúmeras formas de conjugação. Eu canto, tu cantas ele canta... Que eu corra, que tu corras, que ele corra..., Eu cantei, tu cantastes ele cantou,... eu dormirei, tu dormirás, ele dormirá, nós dormiremos, vós dormireis, eles dormirão, e assim por diante, lia a gramática e ia tentando aprender aquele montão de verbos, ia aos poucos entendendo o mecanismo de funcionamento daquilo tudo, e sua mãe que tinha somente a instrução primária ouvia e costurava, ela  havia vivido muitos anos na roça, e precisava andar uma légua (seis quilômetros) a pé para chegar à escola rural. E o menino aprendendo os verbos e sua mãe costurando, até que,  em determinado instante, sua genitora interrompe o trabalho de corte e costura, levanta-se e diz para o menino que vai ensinar para ele um verbo que ela havia aprendido na sua infância, lá no interior do Estado do Espírito Santo, na cida

O homem e o menino

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Guaçatonga Era uma vez um menino que deitou-se em seu canto no quarto de costura de sua mãe para dormir, e ali ele adormeceu. No dia seguinte o menino jogou bola no campinho, sob a sombra frondosa das mangueiras, corria, chutava, divertia-se muito com os seus amigos, o menino amava jogar futebol. Um homem sentado próximo ao campo observava atentamente aquele menino, na verdade procurava por ele a longos anos. O menino era muito magro, comprido, quieto, um semblante preocupado talvez. O jogo terminou, a meninada se dispersou, cada um para sua casa, o menino passa, olha para o homem que o cumprimenta com simpatia e passam a caminhar juntos, passo a passo, lado a lado, o menino não sabia explicar o porque, porém, sentia uma grande simpatia por aquele homem, talvez, quem sabe pudesse ser um parente distante, ele tinha tantos parentes, ou um amigo de sua mãe, ou de seu pai, ou quem sabe ainda um amigo de um de seus irmãos, o menino simplesmente sentiu-se muito à vontade e caminharam ju

Romeo e Julieta

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Gato do Rio de Janeiro, tão belo, um verdadeiro Romeo   O nome do cinema era Avenida, ficava na Avenida Amaral Peixoto em Volta Redonda, posteriormente transformou-se em um magazine e depois em banco. Lá na sua infância e adolescência o menino assistiu a um sem número de filmes, alguns inesquecíveis. Para ele o cinema era como uma porta para um mundo fascinante, belo, desconhecido e encantador, o menino amava o cinema, quando lá estava esquecia as dificuldades da vida, era como se mergulhasse em um mundo de sonhos e ilusões.  Como ele era muito solitário naquele época, ia na maioria das vezes sempre só, chegava, comprava seu ingresso, suas balas, procurava uma cadeira, sentava-se e assistia muitas vezes ao canal 100 e via também os traillers dos filmes que seriam exibidos futuramente. Ele era um apaixonado pelo cinema, sempre que era possível nos finais de semana, corria para lá. Gostava dos filmes épicos, dos romances, dos Faroestes, das comédias, de todos os gêneros enfim, delic

O Forte Apache

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A infância do menino foi muito pobre, brinquedos ele quase não tinha, não havia dinheiro para isto. Brincava com latas que transformava em carrinhos, com pedaços de ripa de madeira que fazia virar um guindaste, com vassouras velhas que viravam cavalos, com os quais cavalgava contente pelo quintal, mas sobretudo, brincava com uns bonequinhos de plástico bem vagabundos e baratinhos que ele adquiria quando comprava balas na venda do Seu Lobo, e estes soldadinhos ordinários, ele amava com toda a grandeza do seu coração. Haviam índios americanos, soldados da cavalaria , guerreiros vikings, índios brasileiros, soldados da Segunda Guerra Mundial, guerreiros medievais e um sem número de bonequinhos de todas as cores e matizes, bem pequeninos, alguns disformes, porém, todos eles muito amados. Um destes soldadinhos possuía o nome de chefe King, era feio de doer, o menino gostava tanto dele, era o seu preferido, e este ele encontrou em um monte de entulhos. O menino brincava co

Meu avô João Pereira

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Pau Jacaré O nome dele era João, João Pereira, meu avô paterno. As lembranças que guardo dele são muito remotas, ele partiu quando eu tinha 8 ou 9 anos de idade. Ele foi um dos pioneiros na fundação da cidade, um Arigó, trabalhou duro nas fundações da Usina Siderúrgica, foi lenhador, carpinteiro e também agricultor, como o neto. Migrou do interior do Espírito Santo para o Estado do Rio nos anos 40, nos anos 30 foi detido durante a revolução integralista de 1932, neste período minha avó, meu futuro pai e tios sobreviveram comendo banana verde lá pelas bandas da Serra do Caparaó, vida dura. Era muito simples o meu avô, bom de conversa, saia pela manhã para comprar alguma coisa, e demorava para voltar, pois parava para falar com todos os que encontrava pela rua, era assim o seu jeito. Quando pegava o ônibus, descia sempre um ponto além do seu destino, dizia para minha avó que era para valorizar o dinheiro da passagem. Era mulato, magro, andava sempre com um chapéu, podia passar um di

O agricultor e a oração

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 E o agricultor aproxima-se daquele lugar todo seu, lá nos fundos do quintal, ajoelha-se diante das imagens, acende sua vela... Lá tem o Buda, aquele que ele encontrou jogado no mato, teve tanta compaixão pelo ícone sujo e abandonado, levou para a sua casa, lavou e colocou lá naquele espaço tão especial, juntamente com Vovó Benedita que ele ganhou da filha da Dona Maria, aquela Dona Maria da sua infância que o benzeu tantas vezes, com tanto amor. Lá tem também São Jorge montado em seu cavalo combatendo o dragão, como ele gosta do São Jorge, ou Ogum, não importa, olha lá Xangô, em cima daquela pedra que ele trouxe de tão longe, lá do interior de São Paulo, quando sua dor era grande, bem grande, tem a imagem do caboclo Pena Branca, de Santo Antônio com o menino Jesus no colo, de Cosme e Damião, de Nossa Senhora, do Preto Velho, dos anjos, enfim, tudo junto e em harmonia no seu lugar de oração, no seu coração. O agricultor consegue compreender a beleza de cada religião, de cada rit

Como era verde o meu vale

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Monjoleiro O agricultor chega no bosque em formação e leva um susto. Houve uma queimada por lá, na área onde ainda existia um grande capinzal, colocaram fogo, e este somente não queimou as jovens árvores que cresciam na mata porque foi feito um aceiro - faixa de terra limpa, sem mato, a fim de que o fogo não possa passar - e as plantas ficaram protegidas. Todo os anos o processo repetia-se, pensou o agricultor, já anda tudo tão seco e tão sem vida e as pessoas ainda são capazes de queimar o pouco de verde que ainda existe. O agricultor olha ao redor e percebe somente desolação, todos os morros desmatados e queimados, sentia-se como se estivesse habitando um deserto, somente aridez ao seu redor, tudo foi e vem sendo desmatado ao longo dos séculos, e naquela região onde ele habitava, o processo começou nos últimos 150 anos, a princípio com o ciclo do café, e posteriormente com o processo de industrialização. Percebia o agricultor que os dias ficavam cada vez mais quentes, que as fon

O Herói da Resistência

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É comum para o Agricultor urbano procurar por sementes, afinal de contas, ele é agricultor, mora na cidade apesar disto, por isto é urbano o agricultor. Ele também estuda, faz cursos como muitos, enfim, é um cidadão comum, talvez o incomum nele seja este gosto, este prazer e desejo infinito de estar sempre coletando sementes, ano após ano, cada semente que germina para ele é como se fosse a primeira vez, a alegria é constante. Pois bem, estava um dia o agricultor em uma sala de aula na faculdade, do lado de um bosque com algumas espécies nativas do Brasil. E o agricultor ficava com um olho no gato e outro no peixe, traduzindo, prestava atenção ao professor, mas constantemente olhava lá para o bosque à procura de uma árvore diferente, uma daquelas que ainda não existiam no seu viveiro de mudas, aquele viveiro sofisticado, construído com tecnologia da Agência Espacial Norte Americana, basicamente um sem número de saquinhos pretos debaixo da meia sombra de algumas árvores. E no intervalo

Os Meninos da Mangueira

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Mangueira Começou o jogo de futebol, a pelada, lá no campinho de terra do Bairro das Mangueiras, periferia de Barra Mansa e Volta Redonda, e os meninos estão jogando, todos misturados. O menino tímido  chega, fica olhando os outros meninos jogarem, como jogam bem aqueles meninos. Ele fica atrás do gol, alguém chuta, erra o gol, a bola vai longe, e o menino, solícito, corre feliz e vai buscar a bola. Pega, traz de volta e entrega para o goleiro, que a devolve para o lateral direito, e o jogo recomeça. O menino, o tímido, fica olhando atrás do gol, a bola vai longe, ele vai buscar novamente, e volta feliz, e entrega para o goleiro, que a devolve para o zagueiro,  e o jogo recomeça. Dia após dia é assim, até que o menino, o encabulado, o futuro agricultor urbano, aquele que pegava a bola com alegria e solicitude atras do gol, é convidado pelos outros meninos a participar da pelada. E a bola rola, e o preto passa para o branco, e o branco recebe, domina, dá um passe em profundidade pa

Quem é o meu Próximo?

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Gameleira O Agricultor urbano, sob a sombra de uma gameleira pensava em sua própria vida. Vamos a seus pensamentos: No início, sedento de conforto, vazio e sem esperança, tentando fugir desesperadamente do pântano sombrio da depressão, um náufrago da emoção descontrolada, da doença da negação, da doença emocional. É muito triste, desconfortante viver mergulhado na dor, na angústia, na sensação de que o sofrimento emocional é para sempre. A partir de mudanças de atitudes, fui pouco a pouco revelando-me, descobrindo que além de tanta dor e angústia, havia também um ser humano bonito, cheio de dons, com vontade de crescer, viver, lutar, partilhar, participar da vida de forma ativa, muita ativa. Que descoberta extraordinária saber que toda a felicidade que eu sempre busquei sempre esteve dentro de mim, e não fora,  como é reconfortante perceber que posso viver sem ter que fugir de minhas emoções, que o medo é somente uma ilusão, que a vida é aqui e agora. Um dia ocorreu-me o

A Última Pipa

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A maioria das crianças gostam de soltar pipa, é algo prazeroso, e comigo não foi diferente, desde menino aquelas engenhocas voadoras e coloridas me fascinavam. Não sabia como fazê-las, de forma que passei muitos anos dependendo de alguém que fizesse para mim, ajudava da forma que podia, ora trazia o bambu, ou o papel de seda, ora fazia a rabiola e ia levando, achava que era incapaz de fazer uma pipa com qualidade, grande e bem equilibrada, pois se não houver o perfeito equilíbrio aerodinâmico, a pipa não sobe, a pipa não voa. Gostava de soltar minhas pipas solitariamente, geralmente nos dias de outono, bem cedo, quando havia vento, nestes dias subia nos morros e ficava por lá por muito tempo, como era bom. Entre as crianças existe uma espécie de competição, você solta a sua pipa e não demora muito,  muitas outras pipas vão se aproximando, o objetivo é fazer a pipa do adversário literalmente ir para os ares, voar, isto ocorre porque os meninos passam cerol na linha (uma mistura de co