O agricultor e a oração


 E o agricultor aproxima-se daquele lugar todo seu, lá nos fundos do quintal, ajoelha-se diante das imagens, acende sua vela... Lá tem o Buda, aquele que ele encontrou jogado no mato, teve tanta compaixão pelo ícone sujo e abandonado, levou para a sua casa, lavou e colocou lá naquele espaço tão especial, juntamente com Vovó Benedita que ele ganhou da filha da Dona Maria, aquela Dona Maria da sua infância que o benzeu tantas vezes, com tanto amor. Lá tem também São Jorge montado em seu cavalo combatendo o dragão, como ele gosta do São Jorge, ou Ogum, não importa, olha lá Xangô, em cima daquela pedra que ele trouxe de tão longe, lá do interior de São Paulo, quando sua dor era grande, bem grande, tem a imagem do caboclo Pena Branca, de Santo Antônio com o menino Jesus no colo, de Cosme e Damião, de Nossa Senhora, do Preto Velho, dos anjos, enfim, tudo junto e em harmonia no seu lugar de oração, no seu coração. O agricultor consegue compreender a beleza de cada religião, de cada rito, acha tão fascinante esta busca do homem por algo que transcende a vida física, por um ser superior, por Deus.
Via de regra, quando o agricultor começa sua oração, aparece para acompanhá-lo sua cachorrinha vira lata, a Nina. Ele não sabe se ela vai até lá pelo brilho da luz da vela, ou simplesmente se vai para doar sua própria luz, pois é dócil, amiga e carinhosa sua vira lata, uma companheira de verdade. Desta vez o agricultor pede à Divindade que mande chuva, sente que está tudo tão seco, que muitas plantas estão morrendo, que os rios estão secando, que a nascente do rio São Francisco já secou, que em São Paulo a água está prestes a acabar, que a terra esta sedenta, que a paisagem outrora tão bonita mais se assemelha agora às savanas africanas. O agricultor agradece a tudo o quem recebido, pede forças para encontrar alegria, paz e propósito na vida, olha para a chama da vela, como é bela a chama, levanta-se buscando o céu com esperança, sente o vento da primavera, e tem lá fundo, lá no seu íntimo, a intuição de que a chuva vai chegar, trazendo muita vida e abundância para todos. Vai se embora o agricultor, leve e tranquilo, sua amiga a Nina, aquela vira lata cheia de luz o acompanha.

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