O Herói da Resistência

É comum para o Agricultor urbano procurar por sementes, afinal de contas, ele é agricultor, mora na cidade apesar disto, por isto é urbano o agricultor. Ele também estuda, faz cursos como muitos, enfim, é um cidadão comum, talvez o incomum nele seja este gosto, este prazer e desejo infinito de estar sempre coletando sementes, ano após ano, cada semente que germina para ele é como se fosse a primeira vez, a alegria é constante. Pois bem, estava um dia o agricultor em uma sala de aula na faculdade, do lado de um bosque com algumas espécies nativas do Brasil. E o agricultor ficava com um olho no gato e outro no peixe, traduzindo, prestava atenção ao professor, mas constantemente olhava lá para o bosque à procura de uma árvore diferente, uma daquelas que ainda não existiam no seu viveiro de mudas, aquele viveiro sofisticado, construído com tecnologia da Agência Espacial Norte Americana, basicamente um sem número de saquinhos pretos debaixo da meia sombra de algumas árvores. E no intervalo, livre do professor e de sua erudição, foi o agricultor em busca de novas sementes, e não é que ele encontrou pela primeira vez em sua vida o Angico Vermelho, ficando obviamente muito feliz, pois ele já tinha o angico preto, o angico branco e o angico do cerrado, era então mais um angico para sua coleção. Pegou as sementes, cuidou delas com carinho, e consequentemente muitas germinaram, e foram plantadas em vários locais da cidade, inclusive, é claro, nos fundos do quintal dele, pois para ele era fundamental possuir aquela espécie de angico em sua casa, juntamente com tantas outras árvores. Uma destas mudas o agricultor plantou lá no Bairro do Jardim Amália, em uma rua bem tranquila, agora bastante arborizada, no verão a disputa pelas sombras das árvores é bem acirrada entre os motoristas e seus respectivos automóveis. A muda ia bem, crescendo devagarinho, e em determinado dia foi quebrada por um transeunte, estes que passam, e o agricultor achou que ela não resistiria, pois estava ainda muito frágil. Mas ela resistiu, soltou um novo broto e recomeçou o processo de crescimento, mas eis que alguém resolve jogar entulho em volta da muda, e não bastando isto, decide também colocar fogo no entulho, e tudo queima, o entulho queima, e a pobre muda do angico queima também. E o agricultor passa, olha, fica triste e pensa "agora o meu amigo não vai suportar, fogo é demais, a coisa ficou preta." Passado mais algum tempo, andando novamente por ali, o agricultor olha e não acredita, o danado do seu amigo, o angico vermelho estava brotando, havia resistido ao fogo, ele não havia desistido, queria continuar vivendo. E o tempo passou, tudo passa, até uva passa, e no terreno próximo ao angico foi iniciada a construção de uma casa, uma bela casa. No final da obra da referida residência , o proprietário providenciou uma caçamba para dar um fim aos entulhos, e, os responsáveis pela caçamba, ou pela casa, não sei precisar bem, resolveram colocar a mesma bem em cima do pobre do angico, coitado do angico. O agricultor passa mais uma vez e fica chocado, agora o seu amigo estava sob uma enorme caçamba cheia de entulhos, e assim ficou por alguns dias, até que resolveram levar a caçamba embora. "Sem chances, pensou o agricultor, desta vez foi o fim do meu amigo, terei que providenciar uma outra muda para colocar neste local, que pena." Alguns dias depois, lá estava novamente o angico crescendo, inacreditável, pensou o agricultor, que determinação tem esta planta! E ele cresceu, cresceu, começou a produzir sombra, parece que finalmente viveria os seus dias em paz, mas, eis que vem aqueles moços insensíveis da prefeitura com suas poderosas serras, e resolvem dar uma podada na planta, achavam que seus galhos poderiam no futuro atingir a rede elétrica, e cortam todos os galhos, deixando somente o tronco, mutilando a pobre e indefesa árvore. O agricultor passa mais uma vez, fica tão triste, tinha a impressão que ele e o seu amigo, o angico, brigavam com toda uma cidade repleta de pessoas tão atarefadas e tão distantes e ausentes, sem a menor sensibilidade para as coisas da natureza. Mas seu amigo, como todo brasileiro, não desistiu, recomeçou o crescimento, e está lá bem bonito e vistoso conforme a foto abaixo, embelezando toda a rua. Não direi aqui o nome da rua, a fim de que alguns cupins que  prestam serviço na Secretaria do Meio Ambiente do Município, não voltem para destruir ou mutilar o meu amigo, o meu herói, o herói da resistência.
Angico Vermelho, o Herói da Resistência

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar