Como era verde o meu vale

Monjoleiro
O agricultor chega no bosque em formação e leva um susto. Houve uma queimada por lá, na área onde ainda existia um grande capinzal, colocaram fogo, e este somente não queimou as jovens árvores que cresciam na mata porque foi feito um aceiro - faixa de terra limpa, sem mato, a fim de que o fogo não possa passar - e as plantas ficaram protegidas. Todo os anos o processo repetia-se, pensou o agricultor, já anda tudo tão seco e tão sem vida e as pessoas ainda são capazes de queimar o pouco de verde que ainda existe. O agricultor olha ao redor e percebe somente desolação, todos os morros desmatados e queimados, sentia-se como se estivesse habitando um deserto, somente aridez ao seu redor, tudo foi e vem sendo desmatado ao longo dos séculos, e naquela região onde ele habitava, o processo começou nos últimos 150 anos, a princípio com o ciclo do café, e posteriormente com o processo de industrialização. Percebia o agricultor que os dias ficavam cada vez mais quentes, que as fontes de água estavam desaparecendo, que muitos pássaros já não habitavam mais aquele região, que o ar ficava dia a dia mais poluído, a paisagem mais pobre, devastada, triste e feia, que as chuvas da primavera estavam sempre chegando com atraso, e de forma irregular,  e no entanto, é como se ninguém percebesse o que estivesse acontecendo, era como se os seus semelhantes estivem todos adormecidos, sem condições de sentir o drama vivido pelo meio ambiente, e consequentemente, o drama pessoal de cada um, pois, pensava o agricultor, cada ser humano é uma extensão da própria natureza, uma parte dela, e não algo separado, e se a natureza sofre e é maltratada, o ser humano também sofrerá, e terá que arcar com as consequências de sua indiferença. O agricultor sentia saudades de sua infância, quando ia banhar-se nas águas cristalinas do Rio Brando, lá pelas matas da Cicuta, um local tão bonito, com tanto verde e tanta vida, sentia falta das inúmeras fontes de água pura que existiam em vários bairros da cidade, pensava com nostalgia nos inúmeros pescadores que via sobre as pontes sobre o Rio Paraíba do Sul, com suas varas, nos domingos, pescando em abundância os peixes que la habitavam... Tudo estava entrando em processo de degradação, achava ele, porém, que tudo aquilo era uma fase, e que estes quadros posteriormente iriam mudar. Resolveu parar com a contemplação da paisagem devastada, interromper os pensamentos dos dias passados, e saiu pela mata à procura de sementes, haviam muitas sementes naquele período do ano, e sentiu dentro de si, que a única coisa que ele podia fazer era coletar estas sementes, cuidar delas e plantá-las posteriormente, com a esperança de que as pessoas pudessem um dia viver toda aquela beleza da vegetação nascente, e quem sabe, através da beleza, das flores, do frescor, do perfume das árvores, acordarem para a vida que ocorre somente no aqui e no agora. Como era verde o meu vale, pensou novamente o agricultor, e como poderá a ser novamente no futuro, e assim ele partiu, abaixando aqui e ali, enchendo seus bolsos de sementes e seu coração de alegria e esperança.

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