O Homem que falava com as árvores
Era uma vez, em uma destas primaveras já passadas, um vaqueiro no alto de um morro e de seu cavalo; enquanto cuidava do seu gado e de sua vida, observou ele pela primeira vez, ao longe, em uma área pública e completamente tomada por capim africano, um homem solitário detendo-se por algum tempo na observação do tronco de uma árvore queimada e sem copa — a única árvore naquele local.
Ao longo dos meses seguintes, o vaqueiro constatou que de forma sistemática e disciplinada, aquele solitário homem tão somente acompanhado por um fiel cão sempre voltava àquele pasto, observava bem de pertinho e por algum tempo o tronco queimado e depois, com sua enxada carpia o capim no seu entorno, e com sua cavadeira cavava pequenas covas, onde pacientemente plantava mudas de árvores — "alguns homens gostam de cuidar das árvores, outros, como eu, gostam de lidar com o gado", pensava o vaqueiro no seu silêncio de homem do campo.
Notou então o vaqueiro, alguns meses depois, que o campo por onde transitava aquele homem e o seu cão estava mudado, a paisagem era outra; lá estava ainda o velho tronco solitário, queimado e sofrido; lá não estava mais aquela grande variedade de capim africano, mas sim, uma gama de jovens árvores crescendo vigorosamente. Mas uma coisa aguçou a curiosidade do vaqueiro silencioso, que pensou lá entre seus bois e suas vacas: "Mas por que razão ele ainda continua todos os dias visitando aquele tronco, permanecendo perto dele por algum tempo, e depois caminha por entre aquelas pequenas árvores em crescimento, tocando com suas mãos cada uma delas?"
O verão já havia dado o ar de sua graça, o outono havia chegado trazendo ventos de terras distantes do sul, e o homem solitário e o seu cão continuavam visitando o campo, o tronco inerte e as jovens árvores. O vaqueiro então resolveu matar de uma vez por todas a sua curiosidade, e trotando resolutamente o seu cavalo, foi até a proximidade da cerca onde estava o tronco queimado, o cão e o solitário plantador de árvores.
— Bom dia senhor — falou o vaqueiro.
— Bom dia vaqueiro — respondeu o homem solitário ao lado do seu cão.
— Senhor, me perdoe a intromissão, sou um homem rude que lido com o gado, mas gostaria de fazer-lhe uma pergunta.
— Fique inteiramente a vontade.
— O que o senhor tanto faz parado perto desta árvore seca e morta todos os dias, desde o começo do verão?
— Dizemos algo para ela diariamente — respondeu o homem solitário abrindo um largo sorriso.
— Como assim dizemos? O senhor está sempre só.
- Eu e as árvores em crescimento conversamos com ela vaqueiro, e eventualmente até mesmo o meu cão.
Naquele momento, apesar do chapéu, o vaqueiro teve a mais absoluta certeza que o sol deveria ter queimado os miolos daquele homem, mas por uma questão de respeito tão comum aos homens simples e humildes, formulou a derradeira pergunta presa em sua garganta.
— O que o senhor, o seu cão e as demais árvores dizem para ela?
— Dizemos simplesmente: "Jacarandá bico de pato, você não está mais só."
— E o Jacarandá bico de pato consegue ouvir senhor?
— Olhe para ele vaqueiro...
O vaqueiro deteve então por algum tempo seu olhar sobre aquele tronco, notando finalmente brotos em profusão crescendo em direção ao sol e ao intenso azul do céu outonal e matinal; naquele instante seu coração foi tocado. Retirou então de sua cabeça o seu velho chapéu, em sinal de reverência, tornando a falar lá do alto de sua humildade e do seu cavalo com o insólito homem solitário.
— Qual a sua graça senhor?
— Agricultor Urbano senhor.
— Louvado seja Deus Agricultor Urbano.
— Para sempre seja louvado vaqueiro — respondeu o Agricultor.
Daquele dia em diante, o vaqueiro solitário lá do alto dos campos da antiga fazenda Guarda Mor, outrora delimitada pelas também extintas fazendas Volta Redonda e Três Poços, passou a ouvir com frequência a voz dos ventos de outono que parecia dizer vigorosamente através do seu sopro :"Você não está mais só jacarandá bico de pato"; nestes momentos o vaqueiro olhava ao longe o Agricultor Urbano e seu cão cuidando de suas árvores, tocava então o berrante herdado de seu avô, levantava o seu chapéu e acenava alegremente para ele, que também respondia cordialmente levantando o seu velho chapéu — Jacarandá bico de pato (Machaerium nyctitans) é uma árvore nativa do território brasileiro.
Lindoooooooo! Amo os seus textos companheiro.
ResponderExcluirSó por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida.