Um Sonho de Mantiqueira

O menino de 1922 chegou de Curitiba no seu caminhão; trazia um pequenino pianinho de madeira com o desenho de uma araucária 
 a araucária foi a primeira árvore que o menino de 1959 amou na vida, depois vieram todas as outras.

O menino de 1922 comentou que a araucária era uma árvore muito bela e majestosa, e que o seu desejo era trazer uma delas para o quintal de sua casa, mas a infinidade do seu tamanho não cabia na finitude do seu caminhão  o menino de 1922 também amou as araucárias.

Ao longo dos anos que vieram, o menino de 1959 sonhou que um dia moraria em uma floresta cheia de araucárias e outras árvores mais. Mas assim como a araucária era muito grande para o caminhão do menino de 1922, o sonho da floresta de araucárias era maior ainda, um sonho tão grande que o menino de 1959 não conseguiu realizá-lo  Estaria em greve, ou surdo aos anseios dos meninos, o grande realizador dos humanos sonhos em algum local do universo?

Até que um dia chegou o menino de 1992, que cresceu e calçou botas de sete léguas, e eram tão enormes os passos da bota do menino, que quando ele deu por si já estava no norte da América do Norte, lá onde habitam ursos e pinheiros do norte, os parentes distantes das araucárias do sul.

Quando o menino de 1992 retornou da América do Norte, trouxe na sua bagagem e subitamente revelou ao mundo, não um pianinho de madeira como o menino de 1922, mas o amor que ele sentia pelas árvores, tal qual o menino de 1959  Seria aquilo um feitiço dos ursos ou ainda dos pinheiros do norte? A resposta para esta pergunta jamais foi encontrada.

Até que um dia, alguns anos depois do retorno da terra dos ursos, o menino de 1992 convidou o menino de 1959 a visitar sua casa; incomensurável foi a alegria do menino de 1959 ao descobrir, radiante de alegria, que o menino de 1992 morava em uma serra rodeada de araucárias por todos os lados, dentre tantas outras árvores mais.

Naquele distante sábado perdido nas noites do tempo, enquanto o menino de 1959 caminhava pela floresta de araucárias na presença  e dentro do sonho do menino de 1992, ele finalmente percebeu a concretização do seu próprio sonho, que era também o sonho do menino de 1922, e compreendeu que era um sonho tão majestoso e grandioso que não cabia mesmo em um caminhão e nem mesmo em dois sonhos de meninos, mas tão somente em três sonhos de meninos no mais perfeito alinhamento e sincronismo ao longo de algumas décadas.

A inesquecível caminhada daquela tarde ocorria no alto de uma montanha, onde chovia miudinho e de forma inesperada com muita frequência, um lugar onde, além de brotar água por todos os lados, brotavam também muitas araucárias, uma infinidade de outras plantas e, sobretudo, os sonhos dos meninos de 1922, 1959, 1992 e de tantos outros meninos que virão  um sonho de Mantiqueira, um sonho Tupi Guarani.

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