O Menino, a Terapeuta e a Carreira Solo
— Menino, você tem um pequenino traço de autismo.
— O que significa isto — perguntou o menino?
— Significa que seu mundo mental interior é muito forte, quase um mundo paralelo, mas no seu grau você consegue entrar e sair de lá de forma corriqueira — foi falando a terapeuta sobre os traços de personalidade do menino — e, depois de muitos traços ela disse algo que ficou bem gravado em sua mente, mais um traço:
— Você tem a tendência de fazer incansavelmente tarefas repetitivas.
Aquilo fazia sentido — pensou o menino — ele era capaz de ao longo de um dia transportar areia em um carrinho de mão por muitas horas, sentindo-se bem com aquilo; era capaz de fazer exercícios mentais por muito tempo até finalmente aprender o que estava estudando; era capaz de ir da casa para a escola e da escola para a casa por meses a fio fazendo rigorosamente o mesmo caminho; era capaz de brincar horas a fio com seus ordinários e amados bonequinhos de plástico sem jamais sentir tédio; era capaz...
— Você precisará aprender a conviver com isto — falou mais uma vez a terapeuta —, a terapia vai ajudá-lo muito, mas basicamente os traços continuarão por lá, isto é uma forte herança da sua personalidade, é como se você tivesse criado em seu cérebro caminhos muito bem definidos, marcas profundas, tal como sulcos deixados no chão por um vigoroso arado.
O menino amou a analogia com o arado. — Eu gosto de plantar de tudo, principalmente árvores, repetidas e variadas árvores — comentou o menino com a terapeuta que o observava atentamente.
A terapeuta sorriu. — Plantar árvores é bom, mas procure fazer outras coisas também, tente desenvolver outros padrões mentais a fim de criar novos caminhos cerebrais.
Chegou então o dia em que a terapia finalmente chegou ao fim, a terapeuta havia dado amorosamente toda a sua ciência e, sobretudo, todo o seu amor para aquele menino, que de agora em diante deveria seguir o seu caminho.
Ao longo dos anos que vieram passou o menino a tentar desenvolver as novas trilhas cerebrais, abandonou o caminho dos pensamentos negativos e passou a trilhar novos rumos de pensamentos positivos; deixou de ficar tão fechado em si e no quarto e começou a andar mais ao lar livre; aprendeu aos poucos a sair mais do seu próprio mundo e fazer visitas ao mundo daqueles que estavam ao seu redor, compartilhando com eles suas emoções e sua presença; deixou de lado o caminho do mal humor e passou a trilhar veredas franqueada somente aos que sabiam gargalhar... Os processos repetitivos continuavam lá, só que agora o menino estava desenvolvendo variedades de repetições — novos caminhos neurais —, e isto enchia sua vida de sentido e significado.
Mas de um antigo dos seus padrões mentais ele não abria mão — o seu padrão favorito —, abandonar aquilo seria pedir demais para ele: deixar de plantar suas amadas árvores. Aquele singular caminho milhares de vezes trilhado entre os seus neurônios era de fato uma verdadeira benção em sua vida.
Então, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, o menino sempre repetia o processo de coletar sementes e plantar árvores pelos campos, pois na sua profunda sensibilidade, sabia que uma floresta nada mais era do que uma amorosa e verdejante repetição de árvores e outras formas de vida.
Em um certo domingo perdido nas noites do tempo, enquanto andava através de uma grande diversidade de árvores plantadas através de suas mãos, observando aquela repetição toda o menino refletiu, sorriu para si mesmo e pensou "seria um constante, disciplinado e desapegado gesto de repetição um dos inúmeros atributos do amor?" A resposta chegou ao seu coração através do variado canto dos diversos pássaros e do balanço de repetidas folhas — dezenas de milhares — de suas repetidas amigas que bailavam alegremente com a brisa suave que soprava naquele instante — o menino jamais se arrependeu de ter seguido a carreira solo.
Algum leitor mais atento poderia estar agora indagando: "Como que depois de tantos anos o menino não envelheceu, seria algum equívoco do escritor ou mesmo um erro na edição do texto?" A resposta é não! Muitas vezes o despertar de um ser humano nada mais é do que a redescoberta e o resgate da sua própria e eterna criança interior, que ao contrário do ferro em contato com o oxigênio, jamais se oxida com os maravilhosos processos químicos das horas de viver.
Parabéns,cada sentença, uma síntese do seu processo evolutivo,do seu caminhar interno.E esse caminhar vc desfruta a Paz interior,e quem lê sente o mesmo.Abraco Companheiro Aloísio.
ResponderExcluirParabéns querido! Salve nossa criança interior que apesar das agruras e ferrugem do tempo permanece viva! Abração mano!
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