O Agricultor e o Palito de Fósforo

Era uma vez uma caixa de fósforos onde moravam duzentos e quarenta palitos rigorosamente idênticos, exceto um, que por algum defeito de fabricação possuía um tamanho inferior, estava lascado e tinha uma cabeça bem pequena — infeliz palito.

— Você é a ovelha negra da família; você é diferente de todos nós; você não será capaz de gerar sua própria chama; você denigre a imagem do nosso fabricante; você nunca será ninguém na vida — era isto o que o pobre palito ouvia diariamente dos demais palitos da caixa —  insanos palitos.

Depois de tanto ouvir isto dos seus companheiros, o pobre palito passou a acreditar em tudo aquilo, e acreditando, caiu em um profundo estado de tristeza, temendo sobremaneira o vexame futuro pelo qual passaria, quando fosse chamado para o seu único trabalho em sua vida, o de gerar uma pequena chama — deprimido palito.

Todos os dias um ou mais palitos eram retirados da caixa e, depois de riscados, cumpriam sua missão gerando sua chama; ao observar aquilo o coração do pobre palito batia de agonia, e no seu desespero ele pensava "eu não sou capaz de gerar uma chama, eu não sou capaz de gerar luz..." — amargurado palito.

Com o passar do tempo, duzentos e trinta e nove palitos foram retirados da caixa, exceto um, o solitário palito; grande foi a sua dor, enorme foi o seu sentimento de rejeição. "Que tragédia a minha, serei descartado juntamente com esta caixa em um lixão qualquer" — era este o pensamento do melancólico palito. 

Até que finalmente chegou a sua vez; num certo dia, o Agricultor Urbano precisou acender uma das trempes do fogão para preparar um café. Pegou a caixa de fósforos e retirou de lá o único palito existente, que tremia feito uma vara verde em sua mão; neste momento extremo de sua vida, o desesperado palito sentia em seu âmago uma profunda vergonha pela iminência do fracasso que estava por vir — sem uma única palavra do tristonho palito, o Agricultor percebeu tudo isto

Então, do fundo de sua escuridão, amargura, vergonha, pavor e insegurança, o trêmulo palito ouviu uma suave voz dirigindo-se a ele:

— Olá palito amigo! Vejo em seu interior uma chama latente de enorme beleza prontinha para brilhar; você é tão capaz quanto os seus duzentos e trinta e nove irmãos. Sinto a mais profunda convicção de que você conseguirá, pois, apesar da aparente fragilidade, eu vejo luz e dignidade em você. Suas chances de luz são enormes, gostaria de correr o risco?

Pela primeira vez em sua vida, o infeliz palito ouvia comentários amorosos a seu próprio respeito, e isto o encheu de esperança, sentimento de pertencimento e autoestima.

— Sim seu Moço, eu quero correr o risco! — exclamou o palito de forma confiante, percebendo o olhar amistoso do Agricultor.

Neste momento ele foi riscado na caixa; indescritível foi o seu sentimento de alegria ao perceber que, apesar de todas as suas dificuldades existenciais, ele possuía uma belíssima chama que, de tão intensa, alumiou todo o ambiente num belíssimo espetáculo de luz, que nada mais era do que a mais pura expressão do seu amor próprio e sentimento de gratidão — iluminado palito.

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