O Agricultor Urbano e o Seu Velho Ego

Eram quase onze horas da manhã, o sol de verão estava escaldante, e o Agricultor estava cansado. Havia acordado cedo e cedo plantou muitas árvores, mas a hora avançou e ainda faltavam algumas mudas aguardando o aconchego do solo. Sua garrafa d'água estava quase no final — somente um único gole —, ao seu redor nenhuma sombra amiga, somente pasto e algumas moitas dispersas de capim. De vez em quando Tição, seu fiel e velho vira lata, chegava perto dele com a boca aberta, transpirando pela língua e com um olhar triste que poderia ser traduzido como: "Amigo, vamos para casa, senão morreremos assados aqui neste campo desolado."

Tentando abrigar-se um pouco do sol atrás da moita de capim colonião, o Agricultor Urbano ficou ali pensativo e parado, e neste momento de fatiga e indecisão sobre o que fazer, foi visitado pelo seu velho ego que raramente aparecia no campo.

— Bom dia meu grande Agricultor Urbano.

— Bom dia velho ego.

— Já passam das onze horas da manhã, e você ainda está neste pasto desolado trabalhando solitariamente; diga-me uma coisa, quanto você ganha para realizar este trabalho?

— Absolutamente nada! — respondeu o Agricultor com a enxada na mão.

— Agricultor! — neste momento o velho ego apontou para o oeste com o seu braço estendido — o que você avista lá?

— Vejo gigantescas chaminés de uma siderúrgica jogando fumaça na atmosfera.

— Muito bem observado  nobre Agricultor! — respondeu o velho ego, fazendo agora um movimento de cento e oitenta graus com o seu braço. — O que você observa no seu entorno ilustríssimo Agricultor?

— Observo poluição, muitas casas aglomeradas, um rio poluído e uma imensidão de pastos abandonados.

— Você é um excelente observador meu caro Agricultor. Olhando agora para este próprio campo, qual a sua visão dele neste momento?

— Vejo muitas mudas que foram plantadas e não vingaram; vejo o capim colonião de conluio com o capim braquiária e as formigas cortadeiras, dificultando o desenvolvimento das plantas; vejo um solo pobre, pedregoso e estorricado por falta de chuva; vejo ao longe uma vaca malhada, que de vez em quando vem até aqui e pisoteia muitas árvores.

— Isso mesmo! Mostre-me agora suas mãos, por favor. — O Agricultor abriu as duas mãos, exibindo-as para o velho ego.

— Mãos inteiramente calejadas; suas botas estão surradas; suas calças rasgadas e sujas de terra, e me desculpe a franqueza meu grande amigo, mas aqui bem de perto, sinto que você cheira a estrume de gado. O que sua mulher e seus filhos vão pensar? O que seus vizinhos vão pensar? O que seus parentes e amigos vão pensar a seu respeito, o que? Certamente pensarão que você é um grande e teimoso jeca tatu.

Enquanto seu velho ego falava com grande eloquência, o Agricultor e seu vira lata ouviam tudo com a máxima atenção.

— Agricultor... ouça-me de uma vez por todas! Com toda a franqueza meu amigo, você não é estúpido, muito pelo contrário; você já fez muito, já está na hora de parar com isto. Agricultor... existem ONG's que podem fazer isto; existem organismos governamentais que devem fazer isto; existem secretarias e ministério do meio ambiente que tem a obrigação de fazer isto; existe a Organização das Nações Unídas que está preocupada com isto; até mesmo os chineses e os norte americanos estão pensativos com relação a isto. Acorda Agricultor, acorda! Largue isto e vá para o conforto de sua casa cuidar de sua vida; hoje em dia, com as novas tecnologias, você pode, com um simples toque de mouse, plantar Brasil afora milhares e milhares de árvores, novos tempos Agricultor, novos tempos... Além de tudo isto meu dileto companheiro, tudo de graça. Encerro com a seguinte pergunta: Onde está a graça de tudo isto?

Cansado como estava, o Agricultor estava prestes a largar sua enxada e seu campo, seguindo de uma vez por todas o conselho do seu velho ego, que parecia mesmo ter razão depois de tantos argumentos, eloquência e erudição. Um milionésimo de segundo antes de desistir, levantou sua cabeça, olhou para o céu azul e rogou: "Dai-me forças para continuar Senhor meu Deus". Instantes depois avistava ao longe o bosque em crescimento, e nele, um pau cigarra apinhado de belíssimas flores amarelas recebendo a visita de algumas borboletas, e naquela visão descobriu o sentido de todo o seu esforço.

— A graça de tudo isto está na maravilhosa Graça de Deus. "Vade retro" ego meu, ou venha comigo trabalhar no campo! — respondeu o Agricultor enquanto bebia o seu último gole d'agua, batia suas botas no chão e abria um enorme sorriso.

Após ouvir aquilo, o velho ego do Agricultor saiu correndo tal como o diabo foge cruz, não em direção ao pasto escaldante, mas no sentido do bosque verdejante, em busca de sombra e água fresca.


 




 

Comentários

  1. Há o Senhor Ego.... Amigo Aluísio.... Estamos na jornada...

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