O Barbeiro, o Agricultor e o Rio Paraíba do Sul
O Rio Paraíba do Sul nasce no estado de São Paulo, corre sereno por terras fluminenses, faz uma breve visita ao estado de Minas Gerais, volta ao estado do Rio de Janeiro, até finalmente encontrar sua foz em São João da Barra.
Tão grande foi a alegria dos mineiros pela visita do rio, que foi criado em uma região da Zona da Mata, onde viveram os índios Puris, um município outrora chamado São José do Além Paraíba — atualmente Além Paraíba.
Foi nesta cidade, às margens do Paraíba, que viveu um barbeiro com sua esposa e uma numerosa prole. O barbeiro amava sua família, sua barbearia, sua tesoura, sua navalha e todos os seus demais instrumentos de trabalho; mas ele também amava a terra, o rio próximo e os fundos do seu quintal e, quem ama estas coisas, acaba amando também uma enxada, um enxadão, uma pá... Quero dizer que, além de barbeiro de Além Paraíba, ele também era um agricultor às margens do rio Paraíba.
Lá está o barbeiro no salão atendendo sua clientela; chega um, chega outro e ainda mais um outro, e o barbeiro vai realizando o corte, fazendo a barba e colocando a conversa em dia — os barbeiros são bons de conversa. O salão agora está vazio; o barbeiro chama carinhosamente um dos meninos que está em casa, os outros estão na escola.
— Menino, olhe a barbearia para o seu pai, se chegar alguém, avise-me!
Enquanto o menino toma conta do salão, o barbeiro desce célere e feliz as escadas, indo para os fundos do quintal, onde, com a enxada nas mãos, se transforma naturalmente no agricultor. Ara a terra que é fértil graças aos nutrientes trazidos pelo rio amigo; faz canteiros; semeia; poda; aduba, roça e colhe os frutos do seu trabalho. Não demora muito e o menino grita lá da barbearia:
— Papai, papai, chegou gente!
O barbeiro então larga a enxada, o pomar e a horta, dá uma olhadinha amorosa para o seu amigo, o Paraíba — os agricultores gostam de rios —, sobe de volta com celeridade e contentamento as escadas, lava as mãos e, de posse de sua tesoura, de forma absolutamente natural, se transforma no barbeiro — algo como Super Homem, Clark Kent e seus óculos.
Passa o tempo, passa a vida, passa o rio, passam as horas; hora barbeiro na barbearia; hora agricultor arando a terra; hora da meninada na escola; hora de menino tomando conta do salão; hora de meninos tomando banho no caudaloso rio — Saberia disso o amável barbeiro?
Contam os antigos que ainda vivem por aquelas terras Além Paraíba, que o barbeiro viveu muitos anos e que todos os seus filhos, tal como o grandioso rio, também encontraram seus caminhos pelas inumeráveis veredas da vida — isto é uma certeza. Mas sempre existiu entre eles uma dúvida: Alguns afirmaram que o barbeiro era um agricultor que nas horas vagas fazia barba, cabelo e bigode, outros porém, contestaram, dizendo que, na verdade ele foi um barbeiro que nos momentos do salão vazio cuidava com toda a sensibilidade do seu coração de um pequenino pedaço de terra delimitado pelo rio e pela casa.
Mas havia um ponto em comum: Todos tinham a mais profunda convicção, fosse ele barbeiro, fosse ele agricultor, que ele, na sua simplicidade e sabedoria, amava tanto o movimento da tesoura e da enxada, tal como a corrente do rio, em um nível de sensibilidade muito além do tempo, muito Além Paraíba, este rio maravilhoso e persistente condutor de vida, abundância e caminhos — um fiel servidor de todo um vale.
Adorei amigo. Gosto muito dos seus textos.
ResponderExcluirSó por hoje serei feliz!
Olhar poético e esperançoso em cada detalhe da vida cotidiana! Lindo texto!
ResponderExcluirMaravilha!!!
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