O Agricultor, o Hibisco e a Vaca

Era uma quarta-feira de cinzas; o Agricultor Urbano acordou cedo e cedo resolveu visitar as árvores no campo; não levou nenhuma ferramenta. Não demorou muito e encontrou subitamente no seu caminho a vaca do pasto ao lado — isso mesmo, uma vaca — que, ao deparar-se com um grande vão na cerca de arame farpado, resolveu tomar o seu café matinal no campo alheio. Após reconduzir o ruminante para o seu devido lado da cerca e posteriormente consertá-la, o Agricultor constatou que muitas mudas haviam sido pisoteadas, e este fato acinzentou um pouquinho o seu coração.

Continuando suas andanças, percebeu pela escassez das chuvas que o solo estava muito seco, dificultando sobremaneira o desenvolvimento das plantas, levando mesmo algumas à morte, e isto acinzentou mais um pouquinho o seu coração.

Não demorou muito e ele observou algumas árvores que foram duramente  atacadas pelas saúvas, e outras lutando para sobreviver em meio ao rústico e hostil capim africano que crescia desenfreadamente, levando-o a jogar mais uma pá de cinzas no seu coração.

No final de sua visita naquela manhã, cinza não era mais a quarta-feira, cinza eram os seus sentimentos, e então, num momento de fraqueza veio à sua mente um pensamento: "O universo conspira contra o meu trabalho", e sua vontade naquele instante era parar de uma vez por todas com aquela atividade.

Então, ele observou no chão seco algo que chamou sua atenção, um diminuto e frágil ramo de hibisco que ele havia plantado, formando com o solo um ângulo de quarenta e cinco graus — a planta havia sido pisoteada pela vaca —, com uma precoce e pequenina flor vermelha. O Agricultor deteve o seu passo e, abaixado no chão, ficou admirando bem de pertinho aquele milagre da natureza dentro da marca funda do casco da vaca; aguçando os ouvidos de suas emoções que eram capazes de ouvir sem palavras, sentiu a delicada planta dizendo-lhe "Agricultor, apesar das dificuldades, não desista! A flor habita em mim; a mansidão habita no profundo olhar da vaca; o amor habita em ti. No fundo e além das aparências,  somos todos habitantes de Deus, que também habita em cada um de nós".

Ao levantar-se e seguir adiante pelo seu caminho, não haviam mais cinzas naquela quarta-feira e tristeza em seu coração, mas tão somente o desejo de continuar plantando esperança pelo chão por onde pisavam as suas velhas botas.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar