O Agricultor Urbano e o Seu Frio
Eram seis horas da manhã, final de julho e o termômetro marcava seis graus — o inverno mais rigoroso das últimas décadas —; apesar disto, o Agricultor estava pronto para ir para o campo juntamente com seu fiel vira-lata, que mesmo trêmulo e indeciso não abria mão da companhia de seu dono. Quando foi pegar sua enxada o homem das mãos calejadas ouviu uma voz...
— Agricultor, Agricultor, melhor não irmos hoje, está tudo úmido e gelado, o céu está plúmbeo e a névoa está muito espessa, em um dia como este nem as focas e os pinguins saem de suas respectivas casas.
O Agricultor sabia que seu velho e bom Tição não falava; Virando-se em direção a voz observou que quem falava com ele era o seu próprio Frio que estava ali todo encolhidinho e bem pertinho dele.
— Vamos voltar para os cobertores e flanelas Agricultor, vamos para casa tomar um bom café e ficarmos por lá mesmo, num dia como este homem de Deus, o mais sensato a fazer é aquecer-se da melhor forma possível.
Neste momento o Agricultor pegou uma segunda enxada.
— Acompanhe-me Frio meu! — exclamou determinadamente o Agricultor.
— Você está doido Agricultor? Até o seu cão está tremendo de tanto frio, isto é uma tremenda falta de sensibilidade de sua parte, uma verdadeira frieza emocional, uma desumanidade sem fim — retrucou o Frio contrariado, manipulador e todo trêmulo.
Dois minutos depois, apesar da objeção do Frio e da tremedeira do vira-lata Tição, os três estavam no campo; neste momento o Agricultor entregou uma das enxadas para o seu Frio, que estava ali do seu lado todo enrugado como um velho maracujá de geladeira.
— Frio, vamos agora carpir este campo por aproximadamente uma hora, esqueça a temperatura e simplesmente trabalhe. Precisamos preparar alguns canteiros para o cultivo dos girassóis na primavera que virá.
Enquanto o Agricultor e seu Frio trabalhavam, o velho Tição que não sabia carpir foi aquecendo-se aos poucos, andando de um lado para outro sob os primeiros raios de sol da manhã. Uma hora depois tudo havia mudado; a alegria do Frio era agora algo que contagiava, seu semblante estava mudado, ele estava sentindo-se muito bem.
— Agricultor, que maravilha isto! apesar da temperatura ainda baixa, estou aquecido agora, sinto um calor maravilhoso e profundo envolvendo todo o meu corpo, estou vivo como nunca e muito bem disposto, fazia muito tempo que não me sentia tão bem assim. Que calor infinitamente mais prazeroso que o calor dos cobertores é este Agricultor?
— Isto é calor humano — respondeu o Agricultor sorrindo para o Frio, enquanto colhia e comia algumas deliciosas jabuticabas temporãs na jabuticabeira próxima.
Que beleza vencer a si mesmo! Isso é divino...
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