O Caminhoneiro Solidário e a Viagem para a Eternidade
"Eu era um menino e me lembro como se fosse hoje do meu pai dirigindo a carreta vermelha na estrada; o limite de velocidade era oitenta quilômetros por hora, e eu ali atento olhando para o velocímetro, setenta e cinco, setenta e seis, setenta e sete, setenta e oito, setenta e nove, quase oitenta, mas ele jamais chegava aos oitenta, e foi assim ao longo de todas as suas viagens. Por muitas vezes eu ouvi-lo dizer com alegria — meu filho, guarde bem as minhas palavras: Eu viverei cem anos e morrerei bem cedinho e discretamente, como um passarinho."
— Seu Tião, seu Tião, acorda seu Tião — gritava uma voz no portão da casa.
Sebastião ouviu a voz; eram mais ou menos quatro horas da manhã. "Quem será a esta hora, será que alguém está doente? não, não pode ser, já não tenho mais o fusca, devo estar sonhando", pensou Sebastião enquanto tentava reconciliar o sono.
— Acorda Sebastião Barra Mansa, está na hora — gritava uma outra voz no portão.
Sebastião acordou de vez; "Quem poderia ser, quem?" fazia muito tempo que ele não era chamado de Sebastião Barra Mansa, muito tempo... Resolveu esperar mais um pouquinho antes de levantar-se, era julho e estava fazendo muito frio, talvez fosse somente sua imaginação.
— Seu Tião da carreta, vamos, vamos, está na hora, estamos todos aqui fora a sua espera.
Sebastião ouviu e percebeu que não era uma única voz, mas muitas, e observou também que eram vozes familiares, vozes antigas, vozes amigas... Resolveu levantar-se, foi até a janela, acendeu a luz de fora e observou um grande número de pessoas — quase um milhão de amigos — e neste momento seu coração quase explodiu de tanta alegria.
— A carreta vermelha do Expresso Sul Fluminense está aqui Sebastião — falou seu Godinho, o motorista mais antigo da antiga empresa —, e faremos hoje todos juntos a viagem mais bela de toda a sua vida.
— Ah... devo mesmo estar sonhando, já estou aposentado há muito tempo e o Expresso nem existe mais — respondeu Sebastião ainda dentro de sua casa.
— Isto não é sonho Sebastião, isto é vida e a viagem é presente. Larga de ser teimoso homem de Deus, aguce o seu olhar e olhe, olhe... — respondeu o velho amigo.
Então, aos poucos Sebastião foi distinguindo aqueles rostos amados sob a luz de sua própria casa, sua própria luz, e viu lá fora, como antigamente, sua velha e amada carreta vermelha. Tamanha foi a emoção e contentamento, que abundantes lágrimas rolaram de seus olhos cheios de brilho, e neste momento seu coração quase explodiu de alegria pela segunda vez.
— Mas seu Godinho, a carreta é do Expresso; já estou aposentado e não tenho mais nenhuma viagem agendada, bem como nenhuma autorização para dirigi-la novamente.
— Já disse Sebastião Careca, é vida e a viagem é presente; dona Maria e seu Isaac (os antigos patrões) liberaram a carreta, eles estão aqui e viajarão conosco também. Vamos, vamos seu teimoso...
Menos de três minutos depois Sebastião estava no portão; levou para os antigos amigos alguns garrafões de pinga da melhor qualidade — um aperitivo para o horário do almoço —, e para as mulheres do grupo, muitos belíssimos cortes de tecido de boa qualidade, e caixas e mais caixas de bombons; abraçou afetuosamente a todos, e a cada abraço sentia-se mais forte, mais vivo e feliz, como se fosse novamente um jovem.
Pisou no estribo e entrou na antiga cabina — sua segunda casa —, ligou o velho e bom motor Scania, pegou seu martelinho de madeira, desceu e conferiu a calibragem de cada um dos dezoito pneus, em seguida verificou o nível do óleo e da água; pisou novamente no estribo, entrou na cabina, fechou a porta, regulou os retrovisores, olhou para a imagem de Nossa Senhora Aparecida sobre o painel e fez as suas orações, tudo em ordem.
— Para onde vamos seu Godinho? — perguntou Sebastião para o seu saudoso amigo sentado ao lado.
— Você sabe Sebastião, você sabe... simplesmente siga em frente.
— Vamos lá minha gente, todos na carreta — falou Sebastião ao volante — e enquanto começava a descer a rua ia ouvindo contente da vida o vozerio alegre dos amigos de toda uma vida — alguns jogavam truco e buraco, outros ouviam pelo radinho de pilha um jogo do Flamengo, outros simplesmente conversavam alegremente. Não demorou muito e alguém na carroceria gritou "truco" e Sebastião também gritou lá da cabina, com toda a força e alegria de sua alma "vale seis, vale seis" e então o riso foi geral, era muito gratificante para todos o sentimento de que o velho Sebastião estava voltando à vida.
Aproximadamente duzentos metros depois, na entrada de uma curva próxima a antiga casa de sua mãe, Sebastião avistou uma placa, "Atenção, saída 99 a 1 quilômetro: "Rodovia Presidente Dutra, vire a direita, Salvador, siga em frente, Eternidade, vire a esquerda". Sebastião seguiu adiante atentamente, um quilômetro depois reduziu suavemente as marchas, olhou uma última vez para o retrovisor e viu um mundo de acenos dos que ficavam, ouvindo com doçura suas vozes "boa viagem Sebastião, vá com Deus Sebastião, até breve Sebastião, que Nossa Senhora te guie Sebastião, gratidão Sebastião...". Neste momento Sebastião sorriu, colocou o braço para fora da cabina retribuindo com o seu próprio aceno os acenos dos demais, sinalizou as setas da carreta para a esquerda, fez com suavidade a curva, e desapareceu dos olhares do mundo na belíssima e bem iluminada estrada que via à sua frente. Seu velho relógio de bolso marcava precisamente quatro horas e vinte e cinco minutos, e o sol ainda não havia nascido no leste.
Antes da carreta desaparecer para sempre naquelas primeiras horas da manhã, ainda era possível ao longe, muito longe, observar as suas luzes, mas um olhar mais atento logo logo perceberia que as luzes não vinham propriamente da carreta, mas do sentimento de alegria e gratidão pela vida, em cada um dos corações daqueles humanos e imortais ocupantes da carreta vermelha, na sua última e inesquecível viagem rumo à eternidade — a vida é muito breve, tão breve quanto o último olhar para a carreta que se perde na curva da estrada, tão breve quanto noventa e cinco, noventa e seis, noventa e sete, noventa e oito, noventa e nove anos, um mês e oito dias, quase cem — missão comprida, palavra cumprida.
Lendo esse lindo texto, me lémbro com. Muita saudade dos meus tempo de menina, como foi bom. Me veio nas lembrança o seus jogos de carta no abraço de minha casa, minha mãe sempre servia um lanchinho,bolo com café e eu claro fazia questão de levar. Queridos tios serei eternamente grata pelo carinho e atenção de vcs e meus queridos primos. Nunca terei como agradecer a vcs(família) tudo que fizerem por mim. Por agora peço a Jesus muita luz,fica em paz.bjss!
ResponderExcluirLindo texto!
ResponderExcluirMaravilhoso texto!!! Só lembranças boas desse querido avô!!! #Gratidão
ResponderExcluirBoas e eternas recordações! Só gratidão!
ResponderExcluirMaravilhoso demais. Obrigada.
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