O Décimo Passo é uma Tijolada no Velho Ego

"Continuamos fazendo o inventário pessoal, e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente"; é este o enunciado do Passo 10 — o Passo da consciência. 

Mas eu estava certo — o ego está sempre certo —, e além de estar certo, estava com raiva, com muita raiva — raiva velha, apodrecida e congelada. Estava enfurecido com a vida, sentindo-me uma grande vítima de circunstâncias cósmicas desconhecidas — assim falam alguns —, e além de tudo isto, sem nenhum poder para controlar aquela situação — o meu ego adora controlar tudo.

Já eram muitas 24 horas na sala, eram muitas 24 horas de paz e serenidade, eram muitas 24 horas de recuperação, quase uma era, enfim — o ego gosta de falar e escrever sobre coisas bonitas —, contudo, alguns demônios — humanos demônios —, continuavam desestabilizando toda a minha estrutura de recuperação, minha casa emocional — seria uma casa construída na areia? 

Então eu comecei a Pedir ao Poder Superior ajuda, e comecei a fazer para ele diariamente os mesmos questionamentos: "Poder Superior, por que aquelas pessoas — os demônios humanos —, me infernizam tanto? Por que eu não consigo nem ficar próximos delas sem que meu coração dispare? Poder Superior, elas são arrogantes, verdadeiros poços de intolerância, por que então eu devo ainda estar convivendo com elas quase todos os dias? Por que Poder Superior, porquê?"

A psiquiatria — ciência dos homens — aceita como algo natural que o homem fale com o seu Deus — algo absolutamente normal —, porém, não aceita que venha uma resposta deste mesmo Deus — patologia —, e minha situação então, segundo esta ótica, era absolutamente normal, pois, todos os dias — por muitos dias — eu fazia os mesmos questionamentos, e o Poder Superior jamais emitia nenhuma resposta. 

Então, já cansado de tanto perguntar e não receber nenhuma resposta, num certo dia eu parei de questionar — o que não tem remédio remediado está —, e simplesmente esqueci completamente daquilo. Mas o Poder Superior tem lá as suas formas de agir, e numa tarde, quando eu estava completamente relaxado cuidando das árvores no meio do mato, ouvi uma voz que vinha de dentro de mim — não posso afirmar que era a voz do meu Poder Superior —, e aquela voz respondia finalmente aos meus questionamentos já esquecidos: "A arrogância e a intolerância estão em você; aqueles humanos demônios são tão somente o reflexo de sua própria imagem, sua não revelada imagem. Eles estarão sempre no seu caminho, até que você descubra a tolerância em si mesmo." 

Aquilo foi uma tijolada no meu ego; era eu o errado, era eu o intolerante, era eu o almoxarife que armazenava e controlava grandes estoques de raiva congelada no meu coração — ou seria no meu fígado? 

Em um primeiro momento não gostei nem um pouco daquela voz, aquilo feriu de morte o meu velho ego. Uma solução prática seria visitar um psiquiatra e dizer para ele com toda a sinceridade: "Doutor, eu ouvi a voz, eu ouvi a voz doutor." — sempre existe a esperança de um remédio mágico para entorpecer a voz, sempre existe. 

Resolvi não ir ao médico, eu sei da autenticidade da voz. Descoberta agora a natureza exata — a intolerância —, resta-me tão somente a prontificação do Sexto Passo, ou seja, vou precisar exercitar a tolerância a cada instante, e, paralelamente a isso, desenvolver a humildade, e pedir ao meu Poder Superior lá no Sétimo Passo que me liberte, não dos humanos demônios que me rodeiam, mas tão somente de muitos defeitos de caráter que ainda habitam dentro de mim, aguardando o momento da revelação.

Gratidão Poder Superior, que através do despertar de minha consciência, fala amorosamente ao meu coração, tão amorosamente, que mais parece uma canção de ninar, que vai, pouco a pouco, adormecendo a fera, e despertando o Homem que habita em mim, o Homem que Eu Sou.