O Camundongo Dongo e o Gato Sardento
Era uma vez um camundongo chamado Dongo, que amava jogar bolinhas de gude com os amigos no chão de terra batida. Dongo não era muito bom de mira, e tinha uma certa dificuldade em acertar aquelas bolinhas, mesmo as mais próximas.
Dongo gostava de jogar bolinhas, mas não conseguia compreender o porquê dos perdedores ficarem sem as bolinhas no final; para Dongo, o mais correto é que todos voltassem com todas as suas bolinhas para casa.
Dongo tinha um amigo que era muito bom de mira, e dificilmente deixava de ganhar nos jogos de bolinha de gude; o nome dele era Gato Sardento, e os seus bolsos eram carregados de bolinhas.
Dongo possuía poucas bolinhas e queria multiplicá-las, porém, como não tinha habilidade para jogar, seus investimentos não cresciam — era sempre o mesmo número de bolinhas, valiosas bolinhas.
Num certo dia o Gato Sardento propôs para Dongo uma parceria: Dongo daria suas bolinhas para ele, que as colocaria em jogo, e então os dividendos seriam divididos entre os dois, metade para cada um. Como o Gato Sardento era quase imbatível, Dongo, satisfeito, aceitou o acordo, firmando ali, sob a sombra das árvores, o seu primeiro contrato de parceria na vida.
Dongo cumpriu sua parte no acordo, e, dia a dia, o número de bolinhas crescia. Mas ocorria vez por outra de outros gatos que eram também bons nos jogos ganharem as bolinhas — um dia da caça, o outro do caçador. Até que, num certo dia, Dongo possuía menos bolinhas do que no início da parceria.
Dongo então conseguiu uns trocados ajudando a descarregar um caminhão de tijolos, e feliz da vida, foi à venda, e na venda comprou uma enorme quantidade de bolinhas novinhas e coloridas.
Naquela tarde Dongo mostrou para o parceiro aquelas bolinhas todas, e o Gato Sardento ficou exultante de tanta alegria — seus olhos brilhavam — comentando: "Que maravilha Dongo, temos agora mais bolinhas do que todos os nossos adversários." Ao anoitecer Dongo dormiu feliz ao lado de suas bolinhas, chegando mesmo a sonhar com elas, e no seu sonho Dongo era um milionário, o milionário das bolinhas.
Na manhã seguinte, logo cedo, o Gato Sardento apareceu e disse para Dongo que queria romper com a parceria, e seguir nos jogos de bolinhas de gude sozinho; ressaltou ainda que, naquela situação era necessário cumprir o acordo firmado, ou seja, metade das bolinhas para cada um.
Dongo então dividiu as bolinhas e entregou a parte que cabia ao Gato Sardento, não conseguindo mesmo entender o que havia acontecido. No coração de Dongo alguma coisa estava errada; no coração de Dongo um sentimento de que ele havia sido passado para trás; no coração de Dongo um sentimento de culpa e uma dificuldade imensa de dizer um rotundo "Não" para aquele gato malandro; no coração de Dongo um sentimento de que os gatos jogadores não eram confiáveis.
O Camundongo Dongo sofria de codependência — sentimento de culpa e dificuldades de impor limites e dizer "Não" podem ser alguns de seus sintomas —, uma doença de gente, e não de camundongo, cujo nascimento e desenvolvimento principia na infância. Em seu estado de codependência, no olhar de Dongo para o mundo exterior, existiam somente gatos — todos eram gatos — e ele, olhando para si mesmo, observava tão somente um camundongo, o mais incomum dos camundongos, o camundongo Dongo.
Dongo jamais viria a acreditar em jogadores ao longo de toda a sua vida.
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