Dongo Vivencia a Ira do Grande Gato Almirante
Naquele momento o grande Gato Almirante — um gato angorá senhor de toda a vida e todo o navio —, que estava pelas proximidades, dirigiu-se a Dongo de forma direta e imperativa, delegando a ele uma tarefa: "Dongo, hoje alguém virá aqui pesar e levar todo este ferro-velho, e o valor combinado foi de X Cruzeiros por quilo; preste contas para mim no final do dia!" — os gatos angorás não falavam, eles ditavam!
O camundongo Dongo tinha pelo grande Gato Almirante um sentimento de profundo respeito e veneração — Dongo amava aquele grande Gato; seu coração disparou, ele precisava realizar aquela tarefa da melhor maneira possível — os angorás não admitiam falhas.
Ao longo daquele dia Dongo brincou normalmente, sem preocupações, até que, lá pelas quatro horas da tarde parou um velho caminhão na porta da sua casa: Eram os gatos do ferro-velho. Dongo recebeu-os, e por algum tempo toda aquela ferragem foi pesada e removida dali — Dongo ajudou com alegria. Na hora do acerto das contas, o Gato Ferreiro falou com Dongo que o valor combinado com o grande Gato Almirante era de Y Cruzeiros por quilo; fez então as contas e entregou para Dongo um grande número de notas. Dongo contou tudo — Dongo era bom de conta — e constatou que o valor estava certo.
Dongo estava feliz; o grande Gato Almirante certamente ficaria muito orgulhoso com ele pelo belo serviço prestado. Contou então aquele monte de cédulas várias e várias vezes — Dongo era fiel —, aguardando ansiosamente o momento de entregá-las ao grande Gato Almirante, "dever cumprido", pensou Dongo.
Já havia anoitecido quando o grande Gato Almirante finalmente atracou o seu barco e regressou ao grande navio; Dongo, cheio de satisfação, correu até ele falando com entusiasmo que a questão do ferro-velho estava resolvida, que o quintal estava finalmente limpo, e então, cheio de contentamento, exibiu para ele aquele maço de velhas notas — os olhos de Dongo brilhavam de alegria.
— Quanto o Gato Ferreiro pagou por cada quilo de ferro-velho Dongo? — questionou o Gato Almirante.
— Pagou Y Cruzeiros por quilo grande Gato Almirante. — Respondeu o camundongo Dongo.
— Y? Como Y Dongo, se eu combinei X Cruzeiros por quilo? Você é uma Besta Dongo! — gritou duramente o grande Gato Almirante já de semblante carregado — os angorás gritam.
Durante alguns instantes Dongo ouviu cobras e lagartos, sentindo aquela dolorosa vergonha tóxica; ele não conseguia compreender onde havia errado — minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa —, não se lembrava mesmo se o valor combinanado era X ou Y, e o grande Gato Almirante naquele momento, como um deus Netuno enfurecido emergindo dos abismos oceânicos, ou ainda, um mitológico Hades surgindo repentinamente das profundezas do mundo subterrâneo, descarregava sobre o pobre camundongo toda a sua pesada e terrível cólera — os angorás não controlam suas emoções.
Dongo ouvia tudo calado — os angorás não gostam de diálogo —, e no final, depois de ter sido abandonado ali pelo grande Gato Almirante — os angorás abandonam as vítimas —, ficou chorando sozinho — os angorás não gostam de choro — com aquele monte de velhas notas nas mãos, "malditas notas", pensou Dongo. Começava a nascer paulatinamente no coração do camundongo Dongo, uma relação de amor e ódio com o grande Gato Almirante, bem como, com todos os gatos angorás do mundo — os rios nascem das gotas.
Como Dongo não podia externar a sua raiva — somente o grande Gato Almirante podia sentir raiva no navio —, esta foi sendo ao longo dos anos repetidamente armazenada dentro dele — raiva congelada. Acontece que aquela raiva toda era profundamente tóxica, e com o passar do tempo, esta toxidade, gota a gota, começou a abrir no âmago do camundongo Dongo pequeninos orifícios que foram crescendo a cada dia — como uma grande erosão provocada pela enxurrada constante —, fazendo surgir em seu interior um vazio fundo e enorme, uma verdadeira depressão.
Dongo estava desenvolvendo naqueles tempos uma doença ainda desconhecida da ciência dos homens de então — a codependência. Dongo, o mais incomum dos camundongos, era uma criança, uma adorável e amável criança.
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