A Creche do Sexto Passo
O Sexto Passo — Prontificamos nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos estes defeitos de caráter —, é uma Creche, onde diariamente tenho a liberdade — ou não — de deixar alguns de meus rebeldes e amados filhos, aos cuidados do Poder Superior — é ele o responsável pela Creche.
Os meus rebeldes filhos? Medo, Angústia, Autopiedade, Ressentimento, Culpa, Solidão, Raiva, Indiferença, Vergonha Tóxica e tantos e tantos outros sentimentos negativos, ou quem sabe, sentimentos abandonados e não cuidados em mim.
Sou eu o pai dos meus rebeldes filhos — os meus filhos emocionais —, assim como, naturalmente, sou eu o pai de meus naturais filhos. Frequentando as Salas de 12 Passos, vou, pouco a pouco, descobrindo o desconforto causado pela minha meninada rebelde, os meus desnaturados sentimentos, mas como bom pai, acho que dou conta — os homens sempre acham que dão conta —, como bom pai quero tê-los sempre ao meu lado — Ah que horror aquela síndrome do ninho vazio.
Com a rebeldia constante de minha meninada, minha paz vai aos poucos sendo minada, minha rotina, pouco a pouco, vai transformando-se em um verdadeiro inferno, e a minha vida, tal como a vaca, vai, pouco a pouco indo para o depressivo brejo. Ora é o rebelde Medo que chora pela madrugada amedrontado, ora é o Ressentimento que não esquece e perdoa, e por não perdoar não dorme durante a noite; de uma outra vez é a Indiferença distante e irresponsável — passa grande parte do dia no país das fantasias —, ou ainda, a minha amada e linda Angústia, que muitas vezes, mesmo nas mais verdejantes das primaveras, trás melancólicos dias de inverno ao meu viver — como é bela e delicada a minha querida Angústia.
Nas salas de 12 Passos, com a prática dos mesmos, vou aos poucos tomando consciência de que preciso prontificar-me a deixar meus rebeldes filhos na Creche do Poder Superior, a Creche do Sexto Passo, aos cuidados Dele. Já admito que não será fácil — qualquer mãe sabe do que estou falando.
Todos os dias levo o meu natural filho para a escola infantil pela manhã — horário integral —, e no final da tarde passo lá para pegá-lo de volta, e levá-lo para casa; que grande alegria — as mães conhecem este sentimento.
Tomo então a difícil a decisão de ir aos poucos deixando a educação de meus amados rebeldes aos cuidados do Poder Superior. Para isso — perco o sono só de pensar — preciso deixá-los na Creche do Sexto Passo pela manhã, porém — a vida é repleta de "poréns" —, não mais levá-los de volta para casa no final do dia — Que sofrimento, que dor, que dor. Nestas noites insones, em função da decisão, muitas vezes vejo a amada Mágoa ao meu lado dizendo-me: Não faça isso papai, não faça isso conosco!
Segunda-feira; levo minha criança para a escola infantil, e levo também a minha rebelde Solidão. Deixo meu filho na escola com a promessa de voltar no final do dia, e sigo em frente. Paro na frente da Creche do Sexto Passo, toco a sineta, a porta se abre, aparece uma amável tia — até parece um anjo de Deus —, e deixo lá a minha amada Solidão aos cuidados dos anjos, e sobretudo, do Poder Superior.
— Papai, papai... Não me deixe aqui papai, não me deixe só, quero voltar para a nossa casa papai querido — grita a minha rebelde Solidão, enquanto vou afastando-me do portão; os gritos tocam o meu coração, mas caminho firme e não olho para trás, deixando a querida Solidão aos cuidados do meu Poder Superior — será?
Na tarde da segunda-feira pego o meu filho na escola infantil, passo então pela Creche do Sexto Passo e faço um esforço grandioso para não levar para casa a amada menina Solidão — Ah meu Poder Superior, que saudades dela, que saudades.
Terça-feira; levo o menino para a escola infantil, e em seguida deixo na Creche meu rebelde Medo. Meu coração está raiado de dor, como eu gosto do meu querido Medo — o "Medinho" lindinho do papai —, devo confessar que é um de meus meninos mais amados.
— Papai, papai, tenho medo de ficar aqui, por favor papai, por favor painho, por favor paizinho da minha glória eterna, por favor, volte, volte, volte papai querido, quero ir para nossa casa.
Aguento firme e vou embora, eu sei que não é fácil libertar-me destes meninos desregrados, destes rebeldes amados, eu sei, mas estou firme no meu propósito, "um dia de cada vez, um rebelde de cada vez", penso eu enquanto as lágrimas vão descendo pelos meus olhos — os pais também choram.
Quarta-feira; menino natural na escola e menina rebelde, a Mágoa, na creche. Quando vou virando as costas ainda ouço os gritos dela: Papai, papai... estou sendo abandonada, que lástima papai, que dor... nunca vou perdoá-lo por isto papai, nunca... papai você é um ingrato, um desalmado, papai você é igual ao seu pai".
Mais lágrimas descendo dos meus olhos, mais dor em meu coração, no sentimento a grande mágoa de ter sido comparado ao meu pai — alguns homens não suportam esta comparação —, e ainda mais saudades da meninada rebelde — eu disse que não seria fácil —, mas preciso ser resoluto e exercitar a prontificação; com passos firmes e rápidos corro dali, ouvindo ainda aqueles gritos que rasgam o meu coração como uma navalha afiada — só mesmo o Poder Superior na causa.
Quinta-feira; criança na escola — até logo papai, te amo muito — fala minha criança amada acenando no portão. Papai também te ama menino — para os pais os filhos serão eternos meninos.
Passo pela creche e deixo lá minha Culpa aos cuidados do meu Poder Superior. Na despedida ela não diz nada, absolutamente nada — minha rebelde Culpa sempre foi calada —, somente olha para mim. Vou embora para casa sentindo um certo desconforto, estaria agindo de forma errada? Seria este mesmo o caminho? Não estaria sendo cruel com meus meninos rebeldes? — que sentimento desconfortante a culpa.
Enfim, sexta-feira; acordo bastante animado, — as sextas-feiras são mágicas. Ao deixar meu filho na escola com um grande abraço, prometo voltar no final da tarde, e na volta comemorarmos juntos o final de semana que principia.
Hora de deixar na Creche do Sexto Passo minha mais difícil e misteriosa criança rebelde, a fechada Angústia. Quando o portão se fecha, ela olha para mim e o seu olhar é como um dardo que fere profundamente o meu coração. Tento ao longo do dia esquecer aquele olhar, mas mesmo esquecendo, é impossível não sentir aquela melancolia, impossível não sentir aquela ferida que dói no peito, como a dor de um órfão abandonado ao longo de toda a vida.
Tarde da sexta-feira; vou à escola buscar o meu filho natural. A alegria é imensa, e naquele contentamento todo caminhamos leves, tão leves como o voo dos passarinhos, de volta para o nosso ninho. Aproximo-me da Creche do Sexto Passo — está no meu caminho —, meu coração está disparado, estou suando frio. Vou passando e pisando bem suavemente, não quero fazer nenhum barulho, não quero chamar a atenção; alguns metros após o portão ouço gritos, ouço choro, ouço lamentações... os amados rebeldes perceberam a minha presença:
Tarde da sexta-feira; vou à escola buscar o meu filho natural. A alegria é imensa, e naquele contentamento todo caminhamos leves, tão leves como o voo dos passarinhos, de volta para o nosso ninho. Aproximo-me da Creche do Sexto Passo — está no meu caminho —, meu coração está disparado, estou suando frio. Vou passando e pisando bem suavemente, não quero fazer nenhum barulho, não quero chamar a atenção; alguns metros após o portão ouço gritos, ouço choro, ouço lamentações... os amados rebeldes perceberam a minha presença:
— Estou tão só e carente paizinho... por favor, leve-me para casa paizinho amado - falou a minha rebelde menina Solidão.
— Papai querido, estou com medo, muito medo; está escuro aqui papai, por favor, só por hoje papai, leve-me para a nossa casa — sussurrou o menino Medo em prantos.
— Estou muito decepcionada com você papai! Caso você me deixe aqui, nunca mais troco uma única palavra com você — gritou a Mágoa em prantos enquanto rolava pelo chão.
— Papai, se você me deixar aqui, não conseguirá ter um único minuto de paz ao longo de todo o final de semana — reclamou a menina Culpa.
— Papai, papai, eu te amo e preciso muito do seu carinho e do seu colo — falou a minha adorada Angústia, com aquela tão familiar voz embargada pelo sofrimento perpétuo dos condenados.
Não resisti, e naquele momento de fraqueza li o Sexto Passo de uma outra forma: "Prontificamos nos temporariamente a deixar que Deus removesse todos estes defeitos de caráter". Voltei então, bati no portão, a porta rapidamente se abriu, e uma daquelas meigas tias apareceu sorrindo para mim, e eu, cheio de ansiedade falei com todas as letras: "Vim buscar minhas crianças rebeldes!".
Sinceramente escrevendo, naquele instante sai dali contente com todas as minhas crianças rebeldes; estava eufórico, todos novamente reunidos, que coisa maravilhosa. Já em casa, enquanto eles bebiam guaraná, eu ia caindo em uma grande ressaca, e, pouco a pouco entrando em meus velhos padrões comportamentais doentios — Mágoa, Medo, Angústia, Culpa, Solidão... Observando então aqueles amados rebeldes, percebi finalmente que o grande e único rebelde era mesmo eu, com todas as minhas humanas e complexas questões. Não cai em desespero, admiti a minha impotência — Primeiro Passo —, e tomei a sincera decisão de fazer a minha própria matrícula lá naquela Creche do Sexto Passo, onde observei pelo portão lindos jardins e um humilde, luminoso e divino jardineiro cuidando de tudo — meu Poder Superior, conforme eu consigo conceber.
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