Dongo Sente a Vergonha Tóxica
Era uma vez um camundongo chamado Dongo que, de segunda a sexta-feira frequentava o grupo escolar perto de sua casa. Naquele tempo houve uma grande crise financeira e os recursos andavam escassos — na casa de Dongo o dinheiro sempre terminava antes do fim do mês —, e a escola passava por dificuldades também; foi realizada então uma campanha para que os alunos doassem alguns ovos para o complemento da merenda escolar. Dongo e muitos de seus colegas levaram os ovos.
Algum tempo depois, na hora do recreio, Dongo comentou com um de seus amigos que não sabia que fim havia levado aqueles ovos todos, pois na merenda eles não apareciam. Foi apenas um comentário, e ninguém jamais soube explicar como, ou de que forma, mas, de alguma maneira, as palavras do camundongo Dongo chegaram aos ouvidos da Gata Diretora — para Dongo todos eram gatos.
Após o recreio as crianças voltaram para as salas — ou seriam celas? — , e a rotina da escola seguiu o seu curso. Era um tempo de autoridades e autoritarismo, era um tempo de gritos, apontar de dedos e dolorosos e anônimos silêncios.
Devia ser mais ou menos dez e meia da manhã quando a Gata Diretora da escola, de forma solene, entrou na sala de Dongo. Neste momento todos os meninos ficaram de pé — aquilo mais parecia a visita de um general de cinco estrelas. A Gata Diretora pediu para que todos se sentassem, todos, exceto Dongo.
Então, ali naquela escola tão amada por Dongo, a Gata Diretora foi, através de rudes palavras, muito dura com ele em relação ao comentário dos ovos — discursou que ele havia dito uma infâmia, que era um traidor de pátria, que era comunista, que ia para o inferno, que era uma criança sem respeito...
Naquele momento, Dongo sentiu-se como o pior camundongo de todo o universo em todos os tempos, desde a fundação do mundo; estava envergonhado e sendo, paulatinamente, massacrado por todas aquelas palavras que saiam como labaredas mortais da boca do inferno daquela Gata Diretora medonha. O que Dongo mais desejou naquele instante foi desaparecer para sempre em um buraco fundo e escuro, não sendo jamais encontrado por ninguém, nem mesmo pelo criador do universo — Dongo experimentou a vergonha tóxica, e na sua mente vieram as palavras do Gato Branco de roupa preta: Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.
A partir daquele dia Dongo conheceu em si a culpa e o ressentimento, e passou a temer, desde então, todas as autoridades do mundo — as autoridades podem ser autoritárias. Fora do universo da escola ele jamais contou aquele incidente para ninguém ao longo de toda a sua vida, bem como jamais conseguiu perdoar aquela Gata Diretora, cujo rosto desapareceu completamente de sua memória — muito possivelmente mergulhado para sempre no poço fundo e escuro de sua tóxica vergonha.
Somente muitos anos depois Dongo viria a descobrir que sofria de codependência — vergonha tóxica, culpa, dificuldades de expressar os sentimentos e medo são alguns dos inúmeros sintomas —, uma doença de gente, e não de camundongo, cujo nascimento e desenvolvimento principia na infância. Em seu estado de codependência, no olhar de Dongo para o mundo exterior, existiam somente gatos — todos eram gatos — e ele, olhando para si mesmo, observava tão somente um sofrido, culpado, envergonhado e medroso camundongo, o mais incomum dos camundongos, o camundongo Dongo.
O poder das palavras é tremendo! Deveríamos nos educar para dizer apenas palavras abençoadoras, mesmo na exortação. Que bom que o Dongo descobriu tantas coisas boas! Ele não é um camundongo é um ser humano! Que tem se transformado num homem de bem! Bendito seja o Poder Superior e os que buscam aprender e praticar.
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