Dongo Vai a Um Lugar Grande

Era uma vez um camundongo chamado Dongo, que, aos domingos, acompanhado pela Grande Gata, ia a um lugar muito grande e muito alto — muitos iam lá. 

No lugar grande Dongo ficava quietinho — todos precisavam ficar quietinhos —, enquanto lá na frente, em um lugar um pouco mais elevado, um gato muito branco — diziam que era um gato alemão  vestido com uma preta, comprida e estranha roupagem falava coisas em uma linguagem um pouco confusa. A Grande Gata dizia a Dongo para prestar  atenção e não falar nada, caso contrário, o Gato Branco da roupa preta ficaria muito nervoso e vermelho, chegando mesmo a interromper toda a cerimônia  Dongo amava a Grande Gata.

Só de imaginar a cena Dongo quase caiu morto de medo ali no lugar grande. Imaginou todos olhando para ele; imaginou o silêncio universal e os olhares inquisidores; imaginou ainda o Gato Branco da roupa preta ficando rubro de raiva e apontando o dedo e gritando com ele. Caso isto viesse a acontecer, Dongo desejaria muito, no instante fatal, cavar um grande buraco fundo e escuro, e cair nele por toda a eternidade, sem jamais ser visto por ninguém — vergonha tóxica.

O Gato Branco da roupa preta falava coisas bonitas sobre um céu azul, sobre um paraíso, sobre paz, sobre esperança, e sobre uma alegria que duraria para sempre  ele lia um grosso livro. Dongo ouvia tudo com atenção,  e desejava toda aquela maravilha para ele, aquilo era muito bom. 

O Gato Branco da roupa preta falou ainda, que somente conseguiriam viver aquelas maravilhas celestes aqueles que suportassem todo o sofrimento do mundo calados; disse da importância da obediência a todos os gatos mais velhos, e do fiel cumprimento de todas as regras e todas as leis. Disse ainda que quem não agisse daquela forma iria para um lugar muito triste, um lugar que era um verdadeiro inferno de dor e amarguras eternas.

Dongo ouviu tudo, e como queria ir para aquele lugar desconhecido e bonito, resolveu ali mesmo que seria sempre muito bom para com todos, resolveu ainda que seria obediente e solícito, e que jamais desagradaria nenhum gato. Dongo também sentiu que já estava naquele lugar de dor narrado pelo Gato Branco da roupa preta, portanto ele já deveria estar agindo, mesmo sem o saber, de forma errada; neste momento Dongo conheceu a culpa  minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.

Desde então, Dongo não mais conseguiu dizer a palavra "Não", tentando desesperadamente agradar a todos os gatos, para, quem sabe, já antecipadamente abandonar aquele inferno de dor e amarguras internas que ele já sentia dentro dele, tentando, quem sabe, um ingresso antecipado no paraíso descrito pelo Gato Branco da roupa preta  padrão agradador

Somente muitos anos depois Dongo viria a descobrir que sofria de codependência  vergonha tóxica, culpa e padrão agradador são alguns dos inúmeros sintomas , uma doença de gente e não de camundongo. No estranho olhar de Dongo para o mundo exterior, existiam somente gatos —  todos eram gatos —  e ele, olhando para si mesmo, observava tão somente um sofrido, culpado, envergonhado e obediente camundongo, o mais incomum dos camundongos, o camundongo Dongo.

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