O Rebanho do Agricultor

Como de costume, o Agricultor acordou cedo e cedo foi cuidar do seu campo; a caminho, encontrou um destes transeuntes tão frequentemente presentes nas crônicas, que o saudou:

— Bom dia Agricultor; pelo visto já está a caminho do seu campo e de suas árvores.

— Bom dia Senhor; hoje vou roçar o capim a fim de alimentar o meu imenso rebanho.

O transeunte achou aquilo estranho, até onde ele sabia, o Agricultor sempre plantava árvores em áreas públicas, estaria ele agora grilando terras municipais para criar bois? — pensou ele afastando-se e publicando ainda em movimento aquele escândalo sem precedentes em suas redes sociais.

Rapidamente a notícia espalhou-se como rastilho de pólvora, trazendo em seu bojo controvérsias sem fim; o incidente ocorreu em um período pré-eleitoral, levando um candidato a vereador do partido dos defensores da natureza — ele não estava bem nas pesquisas —, a realizar uma verdadeira cruzada contra o Agricultor em suas redes sociais: Fora Agricultor; fora grileiro de terras públicas; fora pecuarista das terras municipais; fora inimigo das árvores e amigo do capim inculto, fora...

O candidato a vereador pesquisou e descobriu o local público onde o Agricultor "criava o seus bois", reuniu sua comitiva, seus cabos eleitorais — mais de setecentos e vinte e três —, seus amigos, algumas autoridades, muitos repórteres e ainda alguns curiosos e desocupados cidadãos comuns; tudo combinado para no dia seguinte bem cedinho — o Agricultor era madrugador — irem todos registrar o flagrante delito.

Naquela noite ele não conseguiu conciliar o sono, tal o nível de ansiedade, a eleição agora era só uma questão de tempo, na manhã seguinte ele estaria prestando um inestimável serviço para toda a municipalidade e, obviamente, ganhando muitos votos desmascarando o tal do Agricultor Urbano, que ele de fato não conhecia — Ah... glória, mordomias, altos salários, relevância social, poder, prestígio, mordomias, foro privilegiado... — pensava o candidato.

No amanhecer do dia seguinte — a contra gosto da maioria —, a comitiva liderada pelo candidato a vereador seguiu até o campo; ao chegarem ao local, viram na borda da rua uma imensa faixa de árvores, avistaram uma trilha e seguiram por ela em direção ao infrator, o coração do candidato a vereador estava disparado, não via a hora de chegar no pasto e encontrar a boiada ilegal.

Depois de alguns minutos chegaram ao final da trilha, viram um imenso pasto e nenhum boi, e ali bem próximo, o Agricultor agachado no chão com as mãos cheias de capim. "Ele deve ter escondido a boiada", pensou o candidato a vereador.

— Bom dia Agricultor! — falou o candidato.

— Bom dia Senhor; vieram contemplar a beleza das árvores?

— Infelizmente Não! Recebemos uma denúncia de que Vossa Senhoria cria um rebanho nesta área pública — respondeu o candidato com sua voz empostada e gestos teatrais.

— É verdade, Vossa Excelência tem toda a razão, inclusive vou alimentá-los neste momento — respondeu o Agricultor com as mãos ainda cheias de capim.

— Então onde está a boiada? Criar bois em áreas públicas é ilegal! — exclamou o candidato enquanto sinalizava para os fotógrafos prepararem suas câmaras.

— Vossa Excelência está completamente equivocado; não crio bois, nem vacas, nem cavalos... meu rebanho é imenso, são milhões e microscópios e vivem sob o chão, são microrganismos responsáveis pela vida no solo, formados basicamente por fundos, vírus e bactérias. Neste exato momento vou alimentá-los com capim, folhas e podas das árvores.

A gargalhada da comitiva foi sonora — exceto pelos cabos eleitorais que fizeram um silêncio sepulcral —, e o desejo mais profundo do candidato a vereador naquele momento era que surgisse no chão um buraco bem profundo, a fim de que ele pudesse cair dentro e fugir daquele sentimento de desconforto e vergonha que sentia naquele instante, mas para seu infortúnio o buraco não apareceu.

Tentando recobrar o equilíbrio, salvar sua eleição e de alguma maneira passar uma borracha naquele incidente tão desagradável e constrangedor, avistou uma bananeira próxima a uma paineira onde alguns micos deliciavam-se com as frutas amarelinhas no cacho, e com um sorriso tão amarelo quanto as bananas exclamou de forma eloquente:

— Olhem lá os micos na bananeira, que coisa mais linda!

— Micos? Onde estão os micos? Que mico? Que mico candidato, que mico!

Para seu mais profundo infortúnio, o candidato a vereador virou motivo de piada entre os cidadãos de sua pequena cidade; quanto ao Agricultor Urbano, continuou silenciosa e anonimamente cuidando de suas árvores e de seu imenso e querido rebanho de microrganismos sob o amado solo onde pisavam suas botas.

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