Cem Anos de Codependencia
Eu vi próxima à igreja uma grande sala com muitas costureiras
Eu vi fios e inúmeras vidas sendo tecidas
Eu vi o movimento dos fios pelas agulhas, e a vida girando pelas máquinas
Eu vi quadros projetados como em um filme
Eu vi a rejeição na pequena cozinha, e a vergonha ao lado do fogão de lenha
Eu vi a explosão de raiva no disparo da arma, e o profundo remorso quando a porta da cela se fechou
Eu vi o desejo da evasão galopando no lombo do cavalo, e o sentimento de vazio e angústia no embarque do trem
Eu vi o aceno triste dos que ficaram, e o adeus solitário de quem jamais voltou
Eu vi o sentimento de carência na beira de um ribeirão, e a depressão no cair da tarde sob o som do cincerro
Eu vi o orgulho abandonando uma fazenda,
e a crueldade sobre a ponte do ribeirão
Eu vi a ansiedade pisando nas tábuas do assoalho, e a possessa agressividade jogando coisas ribeirão abaixo
Eu vi o egocentrismo cego exigindo tudo a tempo e a hora, e o ressentimento solitário e mudo estacionado em uma praça
Eu vi a mágoa deixando o torrão natal, e a desilusão hospedada em uma grande cidade distante
Eu vi o arrependimento por entre infinitos fios de postes, e a saudade aguda, nostálgica e dolorida de vales distantes e verdejantes
Eu vi o mundano perto de uma cerca, e o silêncio quase perpétuo dos inocentes nos terreiros de café
Eu vi o medo reprimido no paiol, e a profunda agonia e ressentimento por entre mudas palavras
Eu vi mentes aceleradas criando mundos de fantasia e ilusão, e a desilusão humilhada e abandonada embarcando solitariamente no trem
Eu vi a muda censura em corações de pedra, e olhares que de tão culpados, somente fitavam o chão
Eu vi a mágoa profunda como uma arma de autodestruição
Eu vi o grande tecido familiar
Eu vi mais de cem anos de codependencia
Eu vi mais de cem anos de codependencia
Eu vi próxima a uma praia o campanário de uma igreja
Eu vi no interior da igreja uma pequena sala onde muitos companheiros fiavam
Eu vi experiências de vida sendo desfiadas
Eu vi a inscrição na porta: Sala de 12 Passos
Eu me vi na sala e passei a fiar juntamente com demais
Eu vi o tamanho de minha dor e responsabilidade, vi o meu próprio fio, o fio dos demais, bem como o fio dos meus antepassados
Eu vi a gratidão, que de tão bela e elevada, mais se assemelhava àquelas verdejantes serras, outrora repletas de infinitos cafezais, onde, em um dia de verão avistei o campanário de uma igreja, e o caminhar sem ansiedade de um ribeirão em direção ao mar, como um fio de luz
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