A Criança Interior e o Agricultor Urbano


Tenho alma de agricultor, porém, nasci, fui criado e educado em cidades cercadas de casas, prédios, ruas asfaltadas, viadutos... apesar de tudo isto, o agricultor em mim jamais me abandonou, então, com o passar do tempo e a pertinaz insistência do homem da terra, acabei transformando-me em um Agricultor Urbano. 

Hoje, dia de Natal, acordei cedinho;  um pouco antes de pegar minhas ferramentas,  vi lá uma certa criança num canto da casa. Ela olhava com olhar distante a chuva tamborilando na vidraça da janela, e seu olhar era um olhar distante, um olhar de saudade e de vazio. Cheguei devagarinho perto dela e toquei na janela, e ao tocar, ela olhou para mim. "Vamos lá fora brincar na terra criança!", disse eu. "Eu gosto da chuva e da terra", falou a criança; "eu também gosto", respondi para ela, enquanto saíamos juntos em direção ao quintal, acompanhados pelo meu fiel vira lata Tição.

"Eu gosto de quintal e de cachorro vira lata", comentou a criança com alegria, enquanto fazia um afago carinhoso na cabeça do Tição. "Eu também gosto criança", respondi a ela enquanto andávamos juntos por entre as centenas de árvores do quintal. Depois de alguns metros de caminhada, chegamos a uma pequena clareira, onde havia um pequeno viveiro com algumas centenas de mudas de árvores. "Hoje vamos plantar algumas destas mudas ali no pasto próximo criança, por favor, escolha algumas delas". 

Grande foi o contentamento da criança abaixada ali no chão, tocando nas pequeninas árvores com imenso amor. "Gosto muito das árvores... vamos levar ipês, pitangueiras, monjoleiros, cedros e jacarandás", comentava a criança, enquanto ia aos poucos colocando as mudas em velhos baldes. Fomos então para o pasto, e no pasto cavamos, carpimos e plantamos as mudas, sob um sol de verão com seus raios intimidados por muitas nuvens, e a vigilância preguiçosa do nosso amigo Tição. Ali naquele campo isolado no alto de um morro, grande era a minha alegria, e imensa, quase infinita, era o contentamento da criança, que hora tocava na enxada, hora tocava na cavadeira, hora tocava nas mudas, hora tocava no cão, hora tocava no chão, de maneira que cada toque dela  toques de magia de uma criança interior  era uma verdadeira expressão de graça, júbilo e gratidão, que muitas vezes tocava o próprio céu. 

Enquanto cuidávamos da terra molhada pela chuva abençoada, íamos aos poucos deixando nossas pisadas pelo chão; luminosas pisadas de uma criança, fundas pisadas de um homem, e leves pisadas de um cão. Lá pelas onze horas terminamos nossa tarefa e exaustos, porém felizes com o auspicioso dia, voltamos para casa. 

"Gostei muito do dia de hoje; você, com sua roupa de homem da roça, não se parece nem um pouco com o Papai Noel ou com o meu próprio pai, que eu esperava olhando pela janela, mas sem nenhuma sombra de dúvida, me trouxe um grande presente no dia de hoje; muita gratidão. Quem é você?" "Desde o princípio, sempre estive e sempre estarei ao seu lado criança, pode contar sempre comigo a qualquer tempo e a qualquer hora. Sou o amor que habita, floresce e cresce em ti, fazendo de nós dois somente um." Respondeu o Agricultor Urbano.

Comentários

  1. Legal! Amigo Aloísio ... Agricultor Urbano. A natureza agradece. A sua criança....

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  2. O Amor é o milagre! Lembrei do Pequeno Príncipe! Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!

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  3. Que lindo! Parabéns! Já pensou em fazer um livro?
    Você escreve muito bem.
    Parabéns!
    Me identifiquei muito com essa criança. Quando criança, adorava ver a chuva pela janela.
    Obrigada!
    Só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida.

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