O Agricultor Urbano e o Sorriso do Olhar

O fato aqui narrado ocorreu há muitos anos; foi na época da grande pandemia mundial do coronavírus, período em que todas as pessoas precisavam sair de suas casas de máscara, a fim de evitarem o contágio. O Agricultor Urbano naquele dia precisou abandonar sua enxada e seu campo, suas perneiras e suas botas, e ir até a loja de produtos agropecuários comprar ração para os seus três vira latas. 

Saiu ele então de sua casa, devidamente mascarado e sem suas perneiras e suas botas —  evento muito raro , e enquanto andava pelas ruas, procurava sempre manter uma distância de mais ou menos um metro e meio das pessoas que o circundavam. Chegando à loja, aguardou pacientemente na fila do lado de fora desta; naquele dia ele não poderia entrar e conversar com os seus amigos que trabalhavam ali; naquele dia ele não poderia namorar as ferramentas; naquele dia ele não poderia admirar as botas nas prateleiras; naquele dia ele não poderia tocar nos grãos; naquele dia ele não poderia sentir aquele cheiro de roça que exalava constantemente daquele ambiente  uma mistura de tudo o que havia lá. 

Aguardando na calçada sua vez de ser atendido, passou pelo seu caminho uma senhora também mascarada, e então, o Agricultor como fazia costumeiramente com todos, sorriu para ela. Notou porém que ela não respondeu — estaria ela de mau humor naquela radiosa manhã de sexta-feira? —, e simplesmente constatou que seu cordial sorriso havia ficado escondido por trás da máscara — as máscaras escondem as emoções. O Agricultor não se deu por vexado, e então sorriu novamente, desta vez, porém, não com o lábios por trás da máscara, mas com os olhos acima desta; o resultado foi imediato, e instantes depois, recebia de volta o sorriso do olhar da simpática senhora mascarada naqueles idos tempos da grande pandemia mundial.
  

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