A Coruja, a Peregrina, a Criança e o Menino Lampião
Era uma vez, lá no Reino do Meio da Escuridão, uma peregrina de pés no chão, que andava pela floresta à procura da Coruja Iluminada; esta colocava-se sempre à disposição de todos aqueles que a procuravam. Sua fama de sabedoria e amor havia alcançado longas distâncias.
Até que um dia, orientada e guiada pelo menino Lampião e sua cadelinha Luz, que andavam pela floresta, a peregrina finalmente conseguiu encontrar-se com a Coruja.
— Bom dia coruja
— Bom dia peregrina dos pés descalços.
— Coruja, há muitos anos procuro em todo mundo, constante e intensivamente a minha felicidade, porém, por mais que eu procure, encontro tão somente a minha própria angústia de viver.
— O Mundo não pode oferecer-lhe algo que já existe e é somente seu, e que já está dentro de você.
— Coruja, como eu faço então para encontrar o que já me pertence?
— Pare de procurar do lado de fora e siga as pegadas de sua Criança.
— Você bebeu Coruja? Que Criança? Sou solteira e não tenho filhos. Começo a achar que você andou cheirando pó vencido aqui na floresta.
— A Criança a que me refiro sóbria peregrina é a Criança Interior que está em ti. Sua permanente angústia não passa do choro contido deste pequenino em você, aguardando pelo seu colo, pelo seu afeto, pelo seu abraço, amor, proteção, carinho...
— Como encontro então esta Criança Coruja?
— Ela está atrás do biombo.
— Que biombo Coruja? Você andou tomando chá de trombeta?
— Peregrina, o som das trombetas derrubaram os muros de Jericó, mas seu ceticismo é tão grande que não consegue ouvir o que estou falando. Desta forma, nem mesmo mil e cento e vinte e sete trombetas tocando simultaneamente serão ouvidas por você. Refiro-me ao seu biombo emocional de angústia, medo, apegos, ressentimentos... — algo assim como os muros que isolavam e protegiam a cidade sitiada de Jericó.
— E como você pode afirmar isto para mim? Qual a sua autoridade sobre isso?
— Você mais parece o apóstolo Tomé Peregrina dos pés descalços... Faxinando exaustivamente minhas emoções através de um programa de 12 Passos, num certo dia encontrei o biombo, e então olhei atrás dele.
— Que 12 Passos são estes coruja iluminada?
O 12 Passos são como poderosas alavancas espirituais capazes de levantar homens de seus abismos de dor e sofrimento, ou ainda, por mais incrível que possa parecer, despertar Interiores Crianças adormecidas dentro destes mesmos homens, nos seus medonhos abismos de dor.
— Ah Coruja... e o que você viu atrás do biombo que te de deixou tão contente da vida?
— Vi uma Criança radiante como o sol que sorriu para mim, e finalmente descobri que todas as minhas dores e amarguras, e sobretudo a minha angústia, nada mais eram do que a saudade desta Criança perdida dentro dos escombros de minhas emoções, a minha própria Criança Interior.
— Coruja, o que você fez então depois desta visão?
— Eu e a criança derrubamos o biombo — algo assim como os alemães orientais e ocidentais —, e com a queda deste, tal qual o muro de Berlim, foi também por água abaixo o medo, todos os meus ressentimentos e amarguras, e finalmente desceu ralo abaixo minha permanente angústia; reunidos eu e a Criança, já não havia mais um oriente e um ocidente, havia simplesmente um lindo horizonte e uma coruja e uma criança correndo e voando livremente e cheias de encantamento pelas veredas da vida e pelos céus do mundo.
Lágrimas de contentamento e esperança desciam dos olhos da peregrina dos pés descalços.
— Minha gratidão é imensa Coruja; agradeço pela sua orientação. Enquanto ouvia suas palavras senti algo profundo em movimento dentro de mim, não no meu ventre — como as crianças do mundo —, senti a Criança Coruja, senti a maravilhosa Criança Interior dentro do ventre do meu próprio coração, atrás do biombo.
Naquele momento de encontro e de encanto, Luz estava adormecida no colo do menino Lampião que, como a peregrina dos pés descalços também parecia chorar.
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