A Maravilhosa Espiritualidade dos 12 Passos

Domingo, dezoito horas, vinte anos atrás; porta aberta, toalha sobre a mesa, livros sobre a toalha, cadeiras organizadas, cartazes carinhosamente distribuídos ao longo das paredes com dizeres simples e profundos. Em um local de destaque, a maravilhosa oração da serenidade. Sento-me na cadeira — hoje eu coordeno a reunião —, e aguardo a presença dos companheiros...

Dezoito e cinco, dezoito e dez, dezoito e quinze... ninguém aparece. Teriam meus companheiros tomado o milagroso já do Jatobão? Não cabe a mim fazer nenhum julgamento. 

Dezoito e vinte! Falo em voz alta a oração da serenidade, recolho cartazes, livros, toalha, sineta... Guardo tudo com carinho no armário para a próxima reunião. Com o coração pesaroso retiro-me, e antes de apagar a luz, observo com profunda tristeza a sala completamente vazia; neste dia eu tinha tanto a falar, neste dia eu tinha tanto a ouvir... 

Foi esta uma das experiências mais dolorosas na minha jornada pessoal pela estrada dos 12 Passos. A espiritualidade estava presente na sala naquele domingo — sempre está —, mas ela somente consegue se manifestar com dois ou mais companheiros presentes na sala.

Quinta-feira, vinte anos depois; porta aberta, toalha sobre a mesa, livros sobre a toalha, cadeiras organizadas, cartazes carinhosamente distribuídos ao longo das paredes com dizeres simples e profundos... 

A sala está cheia, e a reunião transcorre com normalidade. Os companheiros falam, quase todos falam... Provavelmente estou ficando velho e intolerante, talvez mesmo um pouco surdo, ou quem sabe acabei de tomar também um gole do chá do Jatobão. Eles falam e eu não consigo ouvi-los; sinto que eles escondem algo precioso dentro deles, algo que eu preciso para o meu progresso espiritual, contudo, nada revelam, apenas falam, e não conseguem dizer nada que toque o meu coração. 

Foi esta uma outra experiência dolorosa na minha jornada pessoal pela estrada dos 12 Passos. A espiritualidade estava presente na sala naquela quinta-feira — sempre está —, mas ela somente consegue se manifestar com dois ou mais abrindo seus corações, expondo aos outros suas emoções em desalinho, a fim de que a ponte entre os companheiros possa nascer, quebrando assim a ilusão do isolamento, a dor da solidão e a agonia da angústia. 

O aquecimento global pode levar ao desaparecimento diversas ilhas espalhadas pelo grande oceano — dizem os cientistas. O congelamento das emoções, com a sua consequente falta de espiritualidade, pode levar ao fechamento de muitas e muitas salas de 12 passos, dispersas pelo grande oceano das humanas emoções.

Só por hoje desejo pontes espirituais, que liguem a minha remota e gelada ilha de dor, ao maravilhoso e aquecido continente da fraternidade humana.