O Agricultor e a Enxada

Domingo, sete de julho, sete graus Celsius; o Agricultor vai até a cozinha e prepara o seu café. Seus vira latas estão lá encolhidinhos debaixo da mesa — faz frio para cachorro.

Enquanto toma sua bebida amarga, vai pensando naquela cama quentinha, naquela flanela maravilhosa, naquela meia luz do quarto... sete graus é uma temperatura bem baixa — pensa ele —, já fui para o campo sob nove graus, mais sete...

Sua decisão está praticamente tomada; escuta então uns toque toque na porta dos fundos. Quem seria aquela hora, sob aquele frio, quem seria? Abre então a porta.

Sua amiga, a enxada, está ali diante dele, e sua lâmina radia a mais profunda alegria. 

— Bom dia meu querido amigo! — Fala ela com efusão.

— Bom dia minha amada enxada — responde o Agricultor. 

— Tudo pronto? Podemos ir?

— Enxada... você não gostaria de entrar um pouco? Tome um café comigo!

A enxada acha um pouco estranho aquele convite. 

— Agricultor, você sabe que eu não entro na sua casa, bem como não bebo café. Aqueço-me em contato com a terra, sob suas mãos, vamos?

— Mas é que...

— Por favor meu amigo, por favor! Pare de rasgar seda e dia logo o que é, o tempo está passando e, veja bem, hoje é o nosso dia, um dos poucos na semana em que podemos estar juntos. Se a temperatura está baixa ou alta, isto não me importa, desde que você esteja ao meu lado. 

Sua amiga falava com a autoridade de um pai para com o seu filho; em poucos instantes a sinceridade e o amor daquela enxada quebraram o sentimento de letargia e a sensação de frio do Agricultor, que calçou sua calça, suas perneiras e suas botas e, com sua amiga ao seu lado, e seus fiéis vira latas — que também ouviram a enxada —, foram quintal acima semear florestas em um frio domingo de inverno. 

Horas depois, com o corpo e a alma aquecidos, o Agricultor deixou carinhosamente sua amiga descansando em um cantinho de sua varanda. Ao seguir adiante a fim de continuar tocando o seu domingo, ainda ouviu da enxada:

— Estamos juntos amigo, estamos juntos... conte sempre comigo, eu te amo.

O Agricultor olhou para trás e, com um aceno — não de suas mãos, mas de seu coração —, respondeu para ela:

— Estamos juntos amiga... Gratidão pela sua presença em minha vida, e, sem rasgar sedas: Eu te amo também.

Comentários

  1. O pior frio é o frio da alma.
    O frio da alma nos faz querer desistir de tudo.
    Precisamos aquecer a alma com trabalho e presença na vida uns dos outros.

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