O Paradoxo da Criança Interior

Era uma vez, lá no Reino do Meio da Escuridão, uma Coruja que voava livremente pelas altas árvores da floresta; era a Coruja Iluminada à procura do menino Lampião. Depois de muito voar, ela finalmente o localizou sob a sombra de uma grande paineira, juntamente com sua vira lata, a Luz.

A Coruja Iluminada cessou o seu voo, recolheu suas asas, e pousou suavemente em um dos galhos da frondosa paineira em flor — era primavera. Ficou ali anônima e calada por alguns instantes — assim como as corujas normais —, apenas observando aquele menino — a Coruja amava o menino Lampião.

Depois de algum tempo, finalmente deu o ar de sua graça.

— Boa tarde menino Lampião.

— Boa tarde Coruja. Tudo bem com você?

— Tudo em paz menino Lampião. 

— Está de folga hoje do seu plantão de ajuda aos peregrinos Coruja?

— Sim menino... hoje é um dia especial, um dia de voo de gratidão.

— Voo de gratidão?

— Sim menino Lampião. Hoje venho agradecer-lhe por todas estas belíssimas árvores, que foram um dia sementes em suas mãos, e que agora formam uma exuberante floresta. 

— Não precisa agradecer Coruja, faço por amor.

— Eu sei menino, eu sei. Mas aprendi através de um amigo que "A gratidão é uma flor, raramente cultivada nos jardins de nossas vidas nos dias atuais." Agradeço também menino, por você levar até a minha presença, através da grande floresta, tantos que me procuram.

O menino Lampião observando a Coruja ali no galho da paineira apenas sorriu; ele gostava tanto daquela ave que voava solta pelos céus, quanto de sua cadelinha, a Luz, que corria livre pelo chão.

— Notei a sua emoção menino Lampião, quando conversei com a peregrina dos pés descalços sobre a Criança Interior. 

— Gostei muito do que ouvi Coruja. Aquela história toda sensibilizou-me bastante. 

— Procure sempre por esta Criança em ti menino Lampião, e quando você finalmente encontrá-la, sua vida terá um sentido infinitamente maior, do que tudo o que você jamais ousou sonhar ou mesmo imaginar.

— Quem agradece agora sou eu Coruja — respondeu o menino tocado pela emoção.

— Preciso voar agora menino, e deixo para você um presente, escreva-o nas tábuas do seu coração, é um paradoxo:

"A Criança Interior que habita em cada homem, apesar de singular, é plural."

Enquanto ia meditando sobre aquela frase, a princípio tão contraditória, o menino Lampião nem notou que a Coruja Iluminada bateu asas e voou; Luz, que também gostava dela, ainda latiu um latido de despedida.

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