O Moço das Letras, a Aeromoça e o Aéreo Lanche

Naquele dia de inverno, em sua casa em Botafogo, o Moço das Letras sentou-se para escrever alguma coisa; naquele instante não havia absolutamente nada em sua mente para colocar no papel; sobre sua cabeça somente os aviões que passavam a todo instante.

Passados alguns instantes, sua Criança Interior apareceu ali ao seu lado, com aquele seu olhar doce e profundo, e aquele seu sorriso que encantava até os passarinhos do céu.

— Está gostando do voo dos pássaros Moço das Letras? —  perguntou a Criança.

O Moço das Letras já estava acostumado com o jeito daquela Criança, mas pássaros aquela hora da noite era demais.

— Você anda bebendo muita limonada vencida Criança. Os pássaros não costumam voar por aqui a esta hora, exceto, é claro, os pássaros noturnos.

— Você gosta de voar nas asas dos pássaros de asas duras?

— Pássaros de asas duras?

— Sim Moço, os aviões... estes que passam a todo tempo sobre sua casa, como agora; ouça o barulho...

— Ah sim... minha casa fica sob a ponte aérea Rio São Paulo.

— Então você mora debaixo da Ponte Moço das Letras? — respondeu a Criança sorrindo.

— Sim Criança, debaixo da ponte... da ponte aérea.

— Moço das Letras, poderia contar para mim algum incidente qualquer, ocorrido com você no bojo do grande pássaro?

— Criança, quem narra as histórias aqui é você.

Naquele instante a Criança já estava com as mãos cheias de biscoitos e torradas, que pegou na copa.

— Conte uma história para mim Moço, conte uma história de avião, quero ouvir, conte...  pedia a Criança com a boca cheia de biscoitos.

Era tão sincero o desejo de ouvir a história, que o Moço das Letras, sentado ali na copa, ouvindo o ruído dos aviões sobre a ponte, fechou os olhos, entrou na aeronave de suas lembranças e começou a voar...

O avião já estava bem alto, sob o céu azul da primavera de setembro, e depois de algum tempo, apareceram aquelas bonitas aeromoças, oferecendo lanches para os passageiros. 

— Temos biscoitos, balas, amendoins, frutas secas, torradas...  anunciava aquela bonita voz, naquela bela roupa colorida de funcionário de empresa aérea.

Conforme a aeromoça avançava com o seu carrinho de guloseimas, os passageiros iam pedindo aquilo que queriam. Estava quase chegando a minha vez Criança, e eu estava com fome, havia levantado muito cedo. Mas pensei que deveria pedir apenas uma daquelas coisas  ultimamente estavam cobrando tudo.

— Senhor, o que deseja?  falou a aeromoça comigo.

— Bom dia... Por favor, um pacotinho de torradas.

Lá estava eu contente Criança, ou melhor, descontente com as minhas torradas. Queria, devo confessar, muito mais. 

No banco ao meu lado havia uma mãe com seu filho, um menino de uns 6 ou 7 anos no máximo. Quando a aeromoça perguntou o que ele queria, a resposta que ele deu foi verdadeiramente extraordinária Criança...

— Eu quero tudo!

Meu Deus, pensei eu no banco ao lado... que doideira. A mãe do menino vai ter que entrar no cheque especial para pagar o lanche do pequeno glutão.

Ledo engano Criança, ledo engano... o lanche era gratuito; então, fiquei eu ali no meu banco encolhidinho comendo minhas duas torradinhas, enquanto ao lado, o menino comia feliz  aquelas coisas gostosas dos saquinhos em suas mãos; confesso para você que quase chorei de frustração e fome a dois mil e oitocentos metros de altura.

Nesta hora minha Criança Interior ali na copa riu muito de mim, chegou mesmo a rolar no chão de tanto rir.

A história não acabou Criança, não acabou... Minha passagem era de ida e volta, e, que maravilha, na mesma companhia aérea. Pois bem, quando voltei, voltou também a aeromoça, voltou também o carrinho com as guloseimas, voltou também a minha vez de receber o lanche...

— Senhor, muito boa tarde... temos biscoitos, balas, amendoins, frutas secas, torradas...  o que deseja?  falou a aeromoça comigo.

— Boa tarde... por favor, eu quero tudo!

Recebi então aqueles saquinhos todos, e fiquei ali no alto, tão pertinho do céu, comendo o meu lanche,  tal qual o menino do voo anterior, voando pela primeira vez pelas asas da simplicidade e espontaneidade humana.

— Bonita história Moço das Letras... — falou a Criança Interior sentada ao meu lado, comendo os seus biscoitos, enquanto um outro avião da ponte aérea passava sobre minha casa. Se houvesse um ponto por ali, tal como um ponto de ônibus, certamente daria o sinal e pararia a aeronave; pediria então para uma das belas aeromoças, um dos saquinhos do lanche aéreo; minto: Pediria todos os saquinhos, todos... 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar