As Múmias do Egito
Há alguns anos, realizando escavações no deserto do Saara, arqueólogos britânicos encontraram várias múmias dentro de um mesmo e grande túmulo. Depois de intensas pesquisas, concluíram que eram todas membros de uma mesma família. Algo interessante naquele achado intrigou aqueles exploradores do passado: Havia uma múmia com aspecto muito sério — uma carranca de mau humor —, e as demais estavam todas sorridentes, como se estivessem mesmo felizes.
O mistério aumentou ainda mais: Análises laboratoriais avançadas comprovaram que somente a múmia mau humorada — vamos chamá-la assim, com todo o respeito —, havia passado pelos tradicionais e antigos processos de mumificação, as demais não. Mas como seria então possível aquele perfeito estado de preservação depois de tantos séculos, como seria possível?
A resposta foi encontrada através de inscrições gravadas em uma grande pedra, durante o processo de escavação daquele sítio arqueológico, algum tempo depois, algo como um diário antigo; possivelmente um relato secreto de uma daquelas múmias com aspecto tão feliz.
Estava escrito na pedra: "Sou um dos oito filhos do grande faraó Carrancudo IV do Egito, da I Dinastia. Eu, meus irmãos e minha mãe moramos todos no palácio real, além de todos os demais servos. O faraó jamais pode ser contrariado por ninguém; o faraó não admite que as emoções dos outros sejam expressas — de forma nenhuma, quaisquer que sejam as circunstâncias. Quando o faraó está presente, todos ao seu redor abrem lindos sorrisos, chova ou faça sol, em tempos de guerra ou paz, com fartura ou penúria; esta é a lei do grande faraó Carrancudo IV da I Dinastia.
Como o faraó é poderoso, profundamente influente e praticamente onipresente, para evitar severos castigos em casos de expressões emocionais, todos os seus filhos, parentes, guerreiros e súditos acostumaram-se a manter permanentemente no rosto semblantes tranquilos e felizes — isto evita grandes tempestades emocionais do Carrancudo IV —, assegurando desta forma muita paz e prosperidade para toda a região do baixo Egito. No grande reinado do faraó Carrancudo IV, somente ele, de forma absoluta, tem o direito de expressar através do olhar e da face, ou melhor, de sua horrorosa carranca, suas próprias e amargas emoções; os demais, sem exceção, devem estar sempre sorridentes e felizes, como se as colheitas nas grande planícies alagadas do Nilo fossem sempre abundantes.
Então, naquela imensa aridez do Saara, antes de serem transportados para um grande museu na velha Europa, lá estavam todos aqueles antigos sarcófagos sob o sol escaldante do deserto: No sarcófago maior e mais rico estava embalsamada a múmia do grande faraó Carrancudo IV, de cara triste e amarrada, e ao seu redor, inúmeros outros sarcófagos, todos eles contendo múmias com semblantes serenos e felizes.
Ficaram estupefatos os arqueólogos, ao observarem ali, naquele oceano de dunas, aquelas pobres múmias — filhos do Carrancudo IV —, três mil e quinhentos anos depois, ainda com cara de paisagem, olhando através de um olhar de esfinge, olhar congelado e distante, a dura e árida paisagem do deserto, com temor, quem sabe, de que o grande Carrancudo IV pudesse ainda despertar de seu eterno e equivocado pesadelo de faraó mau humorado, ali no sarcófago ao lado.
Ficaram estupefatos os arqueólogos, ao observarem ali, naquele oceano de dunas, aquelas pobres múmias — filhos do Carrancudo IV —, três mil e quinhentos anos depois, ainda com cara de paisagem, olhando através de um olhar de esfinge, olhar congelado e distante, a dura e árida paisagem do deserto, com temor, quem sabe, de que o grande Carrancudo IV pudesse ainda despertar de seu eterno e equivocado pesadelo de faraó mau humorado, ali no sarcófago ao lado.
De fato — concluíram finalmente os arqueólogos britânicos —, aquelas não eram mesmo múmias comuns, eram na verdade múmias emocionais, paralisadas a trinta e cinco séculos pela terrível doença da codependência humana. Apesar de todos os séculos, os britânicos notaram estupefatos que lágrimas brotaram nos olhos de algumas delas.
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