O Divino Tecido

Seis horas da manhã: Linha na agulha, agulha na mão, costureira na máquina tecendo o tecido. Lá estão os coloridos carretéis, dispostos em uma pequena caixa metálica na mesa ao lado, juntamente com dezenas de peças de roupas cortadas e a cortar.


Fim da linha, agora somente o carretel vazio. A costureira corta um minúsculo pedaço do tecido e chama o seu auxiliar imediato, o filho mais novo: Menino, vá na casa de aviamentos e traga um carretel de linha corrente na cor deste tecido.

O menino vai pisando leve rua abaixo, em direção à loja, a um quilômetro de sua casa; entrega o tecido para a dona da loja, que olha o tecido e olha as linhas; olha ainda para o tecido e mais uma vez para as linhas, e finalmente entrega o carretel nas mãos do menino, que volta contente com a linha corrente e o tecido na mão.

A costureira paciente, sob a luz da lâmpada, analisa a linha sobre o tecido; más notícias: Meu filho, a linha não é esta, volte lá e traga outra.

O Menino vai pisando duro rua abaixo, em direção à loja... volta algum tempo depois descontente com a linha corrente e o tecido na mão.

A costureira paciente, sob a luz da mesma lâmpada, aprova finalmente a linha, e olhando para o seu auxiliar, ou melhor, o seu filho, o aprova também com aquele olhar tecido de amor.

Seis horas da manhã, cinquenta ano depois: O menino está na capital dos cariocas tomando o seu café. Algo então vem à sua mente: Por que tanta dor, por que tanto sofrimento, por que tantas dificuldades na vida, porquê? A resposta chega breve, diretamente através de uma linha corrente vinda de seu próprio coração, através de uma maravilhosa e materna cena interior:

Linha na agulha, agulha na mão, costureira na máquina tecendo o tecido...

Eu sou tecido,Tu és tecido, Ele é tecido; Nós somos tecido, Vós sois tecido, Eles são tecido.

Nas mão da divina costureira tudo devidamente tecido: O dia tecido, a dor  tecido; o dever  tecido, o instante tecido, o pão tecido; o marido  tecido, o pai  tecido, o filho  tecido; o presente tecido, o universo tecido, a vida tecido, e o amor enfim, tecido, divino tecido.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar