O Quinto Passo é um Teatro

O Quinto Passo é um teatro, um teatro espiritual; o inverso do teatro da terra dos homens. Neste espiritual teatro o diretor da peça  a própria vida   é o Poder Superior, e o único ator sou mesmo eu; na platéia estão os meus irmãos em humanidade, aqueles que espontaneamente resolveram assistir à apresentação.

Dirijo-me ao palco. É um teatro, mas eu não posso representar — estranho teatro. Se eu represento, o Poder Superior e o público se afastam, e então  eu fico solitário no palco, jogando ilusão ao vento, sozinho no palco, apresentando meus tormentos.

Subo no palco. Nesta hora devo representar tão somente o meu próprio papel, nenhum outro. O Poder Superior e o público aguardam, o tempo passa e o silêncio se faz. Olho para a parede ao lado e observo tantas maravilhosas e ilusórias máscaras... Máscaras de medo, ressentimento, raiva, ciúme; máscaras de indiferença, inveja, ingratidão, falsidade, orgulho, autopiedade... máscaras, tantas máscaras. 

Não resisto à tentação e pego uma delas. o Poder Superior e o público se afastam, e então eu fico solitário no palco, cheio de ilusão, sozinho no palco, chorando com a máscara na mão. 

Como as portas do teatro estão abertas todos os dias, subo ao palco mais uma vez. O diretor e a platéia estão lá aguardando. Olho as máscaras e não pego nenhuma delas, e corajosamente retiro do meu rosto todas as que estão lá   são muitas. Meu sangue ferve e meu coração dispara; neste momento parece que um enorme abismo foi cavado no chão, sob os meus pés. Tenho vontade de pular lá dentro, mas não pulo. 

Fico firme no palco e olho para o lado, meu Poder Superior está lá, e com serenidade e amor, aproxima-se lentamente de mim, pega em minha mão, e diz baixinho em meus ouvidos, quase sussurrando: Segue adiante meu filho!

Finalmente consigo representar o meu próprio e único papel. Olho para todos de forma mais serena e confiante e digo: Meu nome é Fulano de Tal, um anônimo e doente das emoções em recuperação, e sinto uma grande dificuldade de amar; de amar a Deus, de amar a cada um de vocês, de amar a vida, e sobretudo, de amar a mim mesmo. 

Sinto agora um grande alívio, e sou tomado por uma paz que nunca senti. Na platéia o público permanece em silêncio, alguns são tocados pela emoção, e ao meu lado, o Poder Superior com um infinito sorriso, abre um eterno abraço para mim. 

Terminou finalmente a representação do meu papel. Observo agora as paredes do teatro, e não vejo mais nenhuma máscara lá. O Poder Superior olha então amorosamente para a platéia, aguardando pelo próximo ator, ou melhor, pelo próximo homem cheio de dor.

Comentários

  1. Que terapia maravilhosa, de ir ao encontro do outro que vive do outro lado do espelho! Você me inspira a ter coragem de me des-cobrir.

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