A Montanha

Tem dias que a angústia chega; nem bate na porta, simplesmente entra e fica em minha casa, mesmo sem a minha aparente permissão. Tem sido assim desde que eu era menino; lembro-me de ter que ir para a escola primária, e ao sair de casa sentir a presença dela ao meu lado. 

Lá se vão então mais de cinquenta anos de convivência. Aqui e agora, neste exato momento em que escrevo, ela está do meu lado. Digo para ela sair, mas ela não sai, ela fica; digo que não gosto dela, que não quero senti-la, mas ela, de forma impassível fica; posso ler a Bíblia, o Torá, os Vedas, posso ler todos os livros do budismo, ler mesmo todos os livros sacros da humanidade... tudo em vão, ela não vai embora. 

Tento então falar com ela sobre os 12 passos e nada, nada... nem 12 passos, nem 1000 passos, nem uma peregrinação à Meca ou Aparecida do Norte, nem o caminho de Santiago, nada, nada... a angústia vem e fica e ponto, mas ainda não é o final. Neste estado de angústia sinto um isolamento mortal, sinto-me de alguma forma desprotegido e desconectado de toda a realidade, sinto uma profunda insegurança e um grande alheamento da realidade. 

Já fiz ao longo dos anos uma série de mudanças para me afastar dela; já sonhei milhões de sonhos; já comprei uma infinidade de coisas; já plantei milhares de árvores; já escrevi centenas de textos; já li muitas dezenas de livros,  já fiz tantas coisas... tudo em vão, cá esta ela, a angústia, como se fosse mesmo a primeira vez. 

A angústia para mim traz em seu bojo um sentimento de impotência e incapacidade, um sentimento profundo de medo e inadequação, um desejo profundo de sumir, como se a vida fosse mesmo um fardo pesado para carregar. Angústia, angústia, neste exato momento você é um inimigo invisível e invencível, neste exato momento você me subjuga. 

Antes das salas este sentimento me levava a profundos quadros depressivos, bastava eu dar asas às suas insinuações, e em poucos instantes eu já estava chafurdando em meu poço de dor, trevas e solidão. Hoje em dia estou bem mais equilibrado. Procuro usar a angústia como um combustível que me leva sempre para frente, sempre para o melhor em mim. 

Quero queimar todo este combustível - a angústia -, a fim de conseguir forças suficiente para escalar a própria montanha de minhas dificuldades emocionais, e chegando lá no alto, contemplar com alegria toda a beleza da criação, e viver toda a plenitude que já existe em mim. Enquanto estiver angústia estarei a caminho, posso mesmo morrer antes de chegar ao topo, mas enquanto existir angústia e vida em mim, prosseguirei montanha acima. 

"Olhem lá, lá ao longe... Quem é aquele homem subindo solitariamente aquela imensa montanha, com aquele enorme peso em seu coração, quem é ele?" - brada a multidão. Aquele homem sou eu, e se a angústia, como uma enorme pedra, rolar montanha abaixo, carregando-me em seu bojo, não tem nenhuma importância, pois eu me levanto e começo a subir novamente, dia após dia, até o último dia de minha vida, até o limiar de minha resistência, até, quem sabe, chegar ao alto e contemplar a luz, minha própria luz.

Fonte: Blog do Agricultor Urbano
https://oisiola.blogspot.com/2019/05/a-montanha.html

Comentários

  1. Caríssimo Agricultor, peço a Deus que retire suas escamas e que permita que vejas a realidade espiritual! Você nunca esteve, não está e jamais estará só! O Espírito Santo e os anjos do Senhor sempre te acompanharam, acompanham e acompanharão! Somos
    fracos e impotentes, mas o nosso Criador, Deus e Pai é Poderoso, Maravilhoso, Senhor dos Exércitos, Deus do Impossível, Aba,Pai! Princípio e Fim, Eu Sou, Alfa e o Ômega, Causa primeira de todas as coisas, inclusive nós. Podemos não saber o propósito de todas as coisas, mas o Poder Superior sabe! Como a argila na mão do oleiro, confiemos e agradecemos pelo Amor que recebemos todos os dias, que nos mantém vivos, lutando, prosseguindo a cada vinte e quatro horas. O milagre é confiar e obedecer, na certeza que junto com as provas, vem o escape! Gratidão, submissão, rendição incondicional!
    Tg 4.7 Sujeitai-vos, portanto a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.
    Bota ela prá correr e abra os braços e o coração para tantos que te amam, dos reinos mineral, vegetal, animal, humano e espiritual! Abra os olhos e veja!

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