Um Museu em Cinzas

Ah... Preciso queimar minhas lembranças, todas elas. Preciso transformá-las todas em cinzas, não quero contemplá-las e analisá-las, pois muitas delas trazem duras feridas dentro de mim.

Minhas lembranças estão todas lá, dentro do meu vivo e pessoal museu, aguardando pela minha visita, reflexão e análise. Se eu tiver que lidar com elas vai advir dai muito sofrimento e mágoa, o metano putrefato de minhas recordações armazenadas e mal resolvidas vai eclodir, elevando a temperatura de minhas já descontroladas emoções. 

Melhor não mexer com elas então, melhor deixá-las ao abandono, ou, melhor ainda, uma brilhante ideia: Melhor mesmo é queimá-las todas. Desta forma estarei definitivamente livre de meus fantasmas, medos, angústias, ressentimentos, erros, mágoas; desta forma estarei livre daquelas vozes abafadas em mim que clamam por vida, sol, luz, presença, carinho e observação. 

Queimadas então todas as minhas incômodas lembranças, restarão delas apenas cinzas, e em mim, o incauto e inconsequente incendiário, apenas o espectro vazio de um homem sem passado e sem memória, um homem vazio e destituído de si mesmo, um homem fraco, que por tamanha fraqueza e negligência, deixou arder no fogo seu próprio passado interior, perdido desde então em um presente confuso, sem âncoras no ontem e sem bússolas para o amanhã, um museu vivo e vazio em sim mesmo, um museu de mortas cinzas de suas próprias  emoções, perdidas para sempre nas cinzas do passado. 

Perdão Museu Nacional, pela pequenina chama do descaso que me compete como brasileiro, na sua irreversível e dolorosa tragédia,  na sua agonia final e na morte enfim, de sua memória nacional.



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