O Menino Alecrim e a Bruxa Vassorilda
Tudo o que vai ser relatado agora aconteceu há muito tempo, bem no princípio, na época da fundação dos dois grandes Reinos da Escuridão, no tempo em que existiam meninos, bruxas, florestas e muitos encantos e desencantos...
Era uma vez, no Reino Grandioso do Norte da Escuridão, o Reino do Norte, um menino chamado Alecrim, que desde muito pequeno gostava de andar livremente descalço pela floresta. O menino, fazendo jus ao nome, amava os pés de alecrim espalhados pelos campos, bem como todas as árvores que cresciam pelo chão, e possuía um verdadeiro encanto pelas andorinhas, que no verão voavam pelo céu.
Um dia, passando perto da casa da bruxa Vassorilda, Alecrim notou uma imbaúba cortada por ordens dela, o que comoveu o seu coração, e então, pegou algumas mudas remanescentes ali no chão e plantou bem longe, dentro da floresta. Voava por ali naquele dia um bem-te-vi que tudo viu e à todos anunciou: "bem-te-vi, o menino Alecrim plantou imbaúbas brancas dentro da floresta, bem-te-vi, bem-te-vi..."
A bruxa Vassorilda ouviu o canto do pássaro, e possessa, naquela mesma noite tramou contra Alecrim. Passou longas horas consultando sua bola de cristal e seus oráculos, e descobriu que a força daquele menino vinha do seu contato com o chão, notou ainda que ele era muito pobre, e que frequentemente ia à escola da aldeia com calçados furados.
Consultando mapas astrológicos, Vassorilda observou que Alecrim descendia diretamente da linhagem de um antigo e lendário menino chamado Lampião, que havia vivido por ali há muito tempo, deixando atrás de si uma imensa floresta, e aquilo a deixou mais inquieta ainda, Alecrim possuía o dom daqueles que amam a natureza. Depois de uma noite tão mal dormida, Vassorilda havia encontrado a solução para aquele problema.
Não foi difícil para a bruxa encontrar a casa do menino na floresta, era de manhã e ele estava para a escola, então aproximou-se, bateu palmas e esperou...
- Pois não - respondeu a mãe do menino.
- Bom dia minha senhora. Vendo sapatos, e estou com muita sede depois de muito caminhar, a senhora poderia me dar um pouco d'água.
A mãe do menino Alecrim com sua bondade infinita, deixou então o seu tear e não só dessedentou a bruxa, como a convidou a entrar e tomar café com bolo, e então passaram uma boa parte da manhã conversando. A bruxa ficou desencantada com tanta bondade, percebeu a pobreza e as dificuldades da família, e então, como símbolo de sua ingratidão, ou simulada gratidão, ofereceu um belíssimo par de sapatos para o menino ir para a escola, podendo andar de forma mais segura pelo chão da floresta.
- Senhora... - falou a bruxa - ele deve usar estes sapatos sempre, são feitos de um material elástico e muito resistente, vão durar muitos anos, e protegerá os pés do seu querido menino de todos os perigos que possam vir do chão.
O que a bondosa mãe do menino Alecrim não sabia, era que os sapatos estavam cobertos de magia, que com o tempo transformariam o menino Alecrim em um adulto indiferente, intelectualizado, e principalmente distante da natureza e do chão.
A bruxa havia dado o primeiro passo, mas ela queria mais... Com sua magia fabricou muitas moedas de ouro, e conseguiu então comprar todas as terras próximas à sua casa, expulsando todos os bichos e cortando todas as árvores, alegando que o progresso havia finalmente chegado, e que o importante agora era plantar muito capim e criar bois, a fim de gerar desenvolvimento para toda aquela região do Reino Grandioso do Norte da Escuridão.
Todos ficaram muito satisfeitos com os encantos da bruxa, e em pouco tempo havia na aldeia muito pasto e muito boi, e praticamente nenhuma árvore. Sem a floresta, todas as andorinhas partiram para muito longe, milhares de quilômetros além, levando com elas os verões, começava então naquele região um longo tempo de inverno, para a mais completa felicidade da bruxa e infelicidade dos demais.
Todos ficaram muito satisfeitos com os encantos da bruxa, e em pouco tempo havia na aldeia muito pasto e muito boi, e praticamente nenhuma árvore. Sem a floresta, todas as andorinhas partiram para muito longe, milhares de quilômetros além, levando com elas os verões, começava então naquele região um longo tempo de inverno, para a mais completa felicidade da bruxa e infelicidade dos demais.
Desde então o menino passou a ir à escola com os belos e resistentes sapatos da bruxa, estudou bastante, e conforme crescia em erudição, foi aos poucos esquecendo dos campos, dos alecrins e das andorinhas, até que um dia, a fim de avançar nos seus conhecimentos, foi morar no Reino do Concreto, um local distante, bem ao leste de sua aldeia, mas ainda sob o domínio do rei Orgulhoso, o grande soberano do Reino Grandioso do Norte da Escuridão.
No Reino do Concreto não haviam pés de alecrim no chão, passarinhos nas árvores - quase não haviam árvores -, e andorinhas no céu, somente concreto na terra, e muita pressa, medo e ansiedade na alma de todos, o que desencantou muito o coração do menino Alecrim.
No Reino do Concreto não haviam pés de alecrim no chão, passarinhos nas árvores - quase não haviam árvores -, e andorinhas no céu, somente concreto na terra, e muita pressa, medo e ansiedade na alma de todos, o que desencantou muito o coração do menino Alecrim.
Tamanha foi a sua angústia e solidão, que com o passar do tempo ele acabou transformando-se em um ser intelectualizado e infeliz, tentando com a sua mente esquecer as suas dores, preso no concreto, dentro de seu único par de sapatos, lendo e estudando uma infinidade de livros cheios de fórmulas e cálculos. Longe, observando tudo de sua bola de cristal, Vassorilda via enfim seus pérfidos planos concretizados, agora finalmente, eternos invernos para todos.
A terra girou varias vezes em torno do sol, e após muitos anos, livros e solidão, veio um tempo em que o melancólico Alecrim voltou para sua aldeia natal, passando a morar no alto de uma colina, onde não havia mais nenhuma árvore, bem como passarinho algum. Toda aquela terra era desolação, não havia mais a floresta, os campos estavam degradados, não havia mais bois, as fontes estavam secas, o pesadelo da bruxa era uma realidade. Com toda aquela miséria na região, o povo da aldeia ficou muito revoltado com Vassorilda, que para não ser queimada na fogueira, fugiu para muito longe, deixando atrás de si um rastro de destruição, um mundo de desencantos, e um longo e tenebroso inverno.
Com profundas saudades das árvores de sua infância, Alecrim andava por aqueles ermos campos dentro de seu par de sapatos, sem saber o que fazer, até que um dia pisou em um vigoroso espinho que rasgou e penetrou no calçado, danificando-o e ferindo o seu pé, deixando-o muito inchado. Alecrim então, depois de muitos anos, abandonou definitivamente aqueles sapatos e voltou a pisar no chão, e com o passar dos dias algo de extraordinário foi acontecendo dentro dele...
Numa tarde de outono, várias sementes de alecrim foram trazidas de longe pela força dos ventos, de encontro a Alecrim, que as semeou então naquele campo degradado, e aquilo alegrou o seu coração. Alecrim então consultou um velho livro de árvores que ele havia adquirido no Reino do Concreto, e começou paulatinamente a procurar por sementes nas matas distantes, e foi aos poucos reintroduzindo por ali outras espécies.
Alecrim, agora livre dos seus sapatos, plantou pés de assa peixes, em seguida imbaúbas, e com as imbaúbas os ipês, e com os ipês os jacarandás e com os jacarandás os jatobás, e com os jatobás os jequitibás, e com os jequitibás as pitangueiras, e com as pitangueiras as quaresmeiras... e assim, continuamente, dia após dia, repetiu alegremente o processo com muitas outras árvores, formando então uma diminuta floresta.
Com a floresta vieram as flores, as minhocas, as fontes, os bichos, os insetos... com os insetos os passarinhos de um modo geral e as as andorinhas em particular, e com estas, o definitivo retorno do verão e da sensibilidade do menino Alecrim, que elas trouxeram de volta de terras tão distantes e frias, onde estava preso o seu coração no concreto e prisioneiro os seus pés em enfeitiçados sapatos.
Estava definitivamente quebrado o feitiço da bruxa, e com as andorinhas voltaram também a primavera, o outono e o inverno regular, o canto dos passarinhos, bem como as chuvas constantes, trazendo de volta o equilíbrio natural para todos os habitantes da aldeia.
Desde então, Alecrim voltou a ter coração de menino com alma de andorinha e pés descalços, com os quais, com a mais profunda alegria, pisava livremente pelo chão da floresta, cheio de encanto.
Maravilhoso.
ResponderExcluirUma fábula para nossos tempos.
Querido Agricultor Urbano, quero agradecer pela história maravilhosa e pedir permissão para contá-la aos alunos do ensino fundamental da rede pública de ensino. Acredito que muitos meninos e meninas enfeitiçadas serão libertados e poderão trazer de volta as estações naturais, as as minhocas, as flores, os frutos e as aves. Principalmente os meninos com alma de passarinhos e pés descalços! Ainda há esperança e vida nos Reinos do Norte, graças ao alecrim dourado e ao Menino Alecrim, descendente do Menino Lampião! Que linhagem maravilhosa! Viva!
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