O Édito das Cartas Banidas

Era uma vez, no Grande Reino dos Confins do Sul da Escuridão, o Reino do Sul, um rei, senhor de todos aqueles domínios, de nome Zão, seu filho, o Príncipe Zinho e todos os seus súditos. 

Na época desta narrativa o Reino do Sul passava por alguns problemas; de uma hora para outra, não se sabe bem o porquê, grande parte dos súditos passaram a jogar baralho de forma compulsiva, negligenciando suas tarefas diárias, gerando paulatinamente dificuldades para a economia em todos os amplos domínios do Rei Zão.

Preocupado com aquela situação, o rei convocou seus conselheiros reais, a fim de deliberaram sobre aquela preocupante situação. O conselho real foi então reunido, e ao longo de toda aquela tarde discutiram a questão.

- As espigas de milho estão estragando no campo, - falou o primeiro conselheiro real.

- O capim cresce a olhos vistos, e a próxima colheita já está comprometida, - ponderou o segundo conselheiro real.

- Os pães estão sendo entregues com atrasos constantes, - comentou zangado o terceiro conselheiro real.

Até o começo da noite todos os problemas foram colocados, e o conselho chegou então finalmente a um consenso: O jogo de cartas deveria, para o bem e a prosperidade de todos, ser banido para sempre do reino do Rei Zão.

Algum tempo depois, o rei reuniu e ouviu o parecer final dos seus conselheiros, e então naquela mesma noite promulgou o Édito das Cartas Banidas, e ordenou aos seus súditos que o gravassem nas tábuas da lei, e que estas, o quanto antes, deveriam ser distribuídas para todos os domínios do seu vasto reino. 

Uma das tábuas da lei foi afixada no grande salão real, constantemente iluminada por archotes, e então o Príncipe Zinho, feliz com tudo aquilo, lia com alegria, atenção e profundo entendimento as letras da lei:  " Por determinação de sua majestade, o Rei Zão, fica banido para sempre, para todos os habitantes deste reino, sem exceção, todo e qualquer jogo de cartas de baralho. Cumpra-se."

Nos dias que se seguiram Príncipe Zinho andava pelo grande reino e percebia satisfeito, orgulhoso mesmo, que a ordem de seu pai estava sendo cumprida, todos estavam mais atentos ao trabalho, a ordem voltou completamente aos domínios do rei, o ambiente geral estava mais descontraído e em paz.

Uma semana depois, altas horas da noite, como estava com sede, Príncipe Zinho levantou-se de sua cama, e foi ate uma sala próxima beber água em uma moringa. Enquanto andava pelos amplos corredores do palácio ouviu um vozerio alegre, muitos riam e falavam alto; percebeu então que aquelas vozes todas vinham do grande salão de festas real, mas era estranho, não estava havendo nenhuma celebração por aqueles dias... 

Curioso, Príncipe Zinho dirigiu-se até a grande sala, abriu lentamente a grande porta, e então observou na grande mesa o grande rei e todos os seus grandes conselheiros jogando alegremente cartas; viu ainda grandes quantidades de moedas de ouro sobre a mesa.

Príncipe Zinho, da mesma forma que abriu, fechou a porta, e saiu mansamente sem ser notado por ninguém; caminhou então até o grande salão nobre onde estava o grande édito das cartas banidas, que ele lia todos os dias cheio de satisfação. Olhou atentamente para o édito e o leu mais uma vez, porém, desta vez não sentiu nenhuma alegria naquela leitura, e na verdade, não conseguiu compreender mesmo muito bem o que estava escrito naquela tábua.

Dirigindo-se para a janela próxima, com sua mente e coração em desalinho, e seu olhar ausente, podia avistar ao longe o imenso Monte Orgulho - jamais escalado por ninguém -,  a maior montanha do reino, íngreme e rochosa, onde nada vicejava, e de cujo cume podia se avistar além, muito além, as verdejantes planícies da humildade, tão bela e tão distante de todos os nobres do Reino do Sul, o reino de seu amado pai, o Rei Zão, que mansamente tocava o grande e imenso mar. 

Daquele dia em diante, enquanto viveu, Príncipe Zinho nunca mais tocou suas mãos em uma carta de baralho; o édito que ele não mais conseguia ler na tábua, estava definitivamente gravado em seu coração, duramente, como lei.




Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar