Próxima Estação...


Lá vem o trem pelo seu escuro túnel, de uma distante e subterrânea maternidade...

Embarque rápido meu amigo, neste trem que já abriu suas portas e está tão ávido por partir em frente, procure logo o seu lugar... Próxima estação Cinelândia, desembarque facultativo, soa a voz aguda no sistema de som;

Leia rápido meu amigo, neste tempo que corre tão ansioso sobre os trilhos, termine logo este capítulo, dentro de um escuro túnel sob o chão... Próxima estação Catete, desembarque facultativo, anuncia a metálica voz;

Converse rápido meu amigo, o trem está circulando e não para, termine logo este bate-papo, está quase chegando a sua parada... Próxima estação Largo do Machado, desembarque facultativo, anuncia a voz que sai da caixa de som;

Abrace rápido meu amigo, o trem está correndo neste escuro túnel artificialmente iluminado, encerre logo com o afeto neste escuro buraco, que por tão obtuso, nega o acesso a qualquer raio de sol... Próxima estação Flamengo, desembarque facultativo, anuncia a voz com timbre de metal;

Viva rápido meu amigo, neste trem que conduz diária e ininterruptamente tantos, com tantos anseios de partir, com tanta volúpia de voltar, com tanta pressa de desembarcar, com tanto medo de chegar... Próxima estação Botafogo, desembarque facultativo, anuncia a voz artificial;

Pode finalmente relaxar agora meu amigo, anuncia a metálica voz, a voz que sai da caixa de som, a voz com timbre de metal, a voz artificial, a voz da eletrônica funcionária, tão fiel ao alucinado tatu mecânico que partiu de sua escura maternidade, que tanto corre de forma tão alucinada pelos compridos, quentes e solitários túneis subterrâneos do metrô... Próxima estação Eternidade.

A voz, num tom grave e sério, ainda anuncia pela derradeira vez, de forma muito clara: Próxima estação Eternidade, estação terminal, todos os passageiros deverão desembarcar, este carro não fará mais serviços de passageiros, o embarque é obrigatório... e você meu amigo, na sua humana pressa, preso nas garras da ansiosa toupeira mecânica e subterrânea, você não embarcou, você não leu, você não conversou, você não abraçou, você não viveu...

De repente o metrô dá uma parada repentina, e então o condutor assume o comando da voz, e educadamente anuncia: Senhores passageiros, o metrô pede desculpas pela frenagem brusca e pelos problemas de gravação no nosso sistema de som. Próxima parada Cardeal Arcoverde, estação que dá acesso a uma bela praça ensolarada, cheia de mães, crianças e agradáveis senhores jogando dominó, perto do mar, tão próxima do sentir e do viver, o desembarque é facultativo, porém, recomendável.

O metrô agradece aos senhores passageiros pela preferência, e deseja a todos um ótimo dia.


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