Meu Querido Tio Anônimo
Achava eu que a mensagem de 12 Passos havia chegado aos meus ouvidos, e, sobretudo, ao meu coração, naquele domingo distante de agosto de 1998; desde aquele dia, quando entrei na sala e li a oração da serenidade pela primeira vez, minha vida nunca mais foi a mesma. Porém, hoje pela manhã, tomando café, através da doce lembrança de um terno olhar, percebi que os 12 Passos já haviam passado silenciosamente pela minha existência, muitos anos antes, através da transformação de um certo tio, um tio Anônimo...
Naquele dia da infância, quando estava no ponto esperando o ônibus para ir para o colégio, passou e parou o meu tio Anônimo em seu fusca, e pela primeira vez, até a vida adulta, eu fui para a escola de carro. Quase morri de susto no caminho, quando titio acelerou até 80 quilômetros por hora, e depois, rindo e olhando para mim, tirou completamente as mãos do volante, e o fusquinha, quase voando, seguiu em linha reta, sem sair da estrada.
Outro susto com o titio — quase morri pela segunda vez —, foi quando ele mostrou para mim uma arma de fogo, guardada em cima do guarda roupas de sua casa. Nunca havia visto uma arma, aquilo assustou-me profundamente, e fiquei mais assustado ainda ao perceber que, se ele ficasse muito contrariado, poderia mesmo vir a usá-la um dia.
Ele era o mais jovem de todos os meus tios; era calado, muitas vezes mau humorado, porém, quando sentia-se alegre, sua alegria contagiava a todos os demais. Eu tinha uma certa precaução com relação ao titio Anônimo, mas havia algo nele que eu admirava, creio que percebia através das lentes de meu coração, uma grandiosidade que ninguém conseguia notar.
Na minha infância tudo era velado, e as crianças, principalmente, não podiam de forma alguma ouvirem as conversas dos adultos — veladas conversas. De uma forma geral, haviam muitos segredos e muitos sofrimentos reprimidos atrás dos olhares e das portas das casas — de muitas casas. Mas acabei descobrindo um dia, através destas conversas secretas — talvez estivesse atrás de uma porta —, que meu Anônimo tio era dependente de álcool.
O tempo avançou, o casamento do titio acabou, todos os seus familiares mudaram-se, e o meu tio também mudou — de casa, de bairro, de vida —, e eu também mudei, saindo do interior, e vindo estudar na capital dos cariocas. Naquela idade e naquela situação, com a desagregação de sua família, achei que havia chegado o fim da linha para o meu tio também.
Desde então, passei a ver meu tio Anônimo raras vezes, mas notava alguma mudança nele, e de forma alguma ele passava a imagem de um homem derrotado, muito pelo contrário: Mais alegre, mais sereno, mais presente, mais gentil, mais tolerante, menos ansioso e sempre sóbrio — meu tio Anônimo havido transformado-se no antônimo de si mesmo.
Desde então, passei a ver meu tio Anônimo raras vezes, mas notava alguma mudança nele, e de forma alguma ele passava a imagem de um homem derrotado, muito pelo contrário: Mais alegre, mais sereno, mais presente, mais gentil, mais tolerante, menos ansioso e sempre sóbrio — meu tio Anônimo havido transformado-se no antônimo de si mesmo.
Descobri então, que ele havia ingressado na irmandade de Alcoólicos Anônimos, e de lá veio a transformação — Assim me diziam os mais próximos, já em conversas menos veladas e com as portas abertas.
Foi então, muitos anos antes de entrar em uma sala de 12 Passos, através da mudança significativa de meu tio Anônimo — transmitida por aquele doce e profundo olhar —, que eu, mesmo sem o saber, vim a conhecer a poderosa, profunda e amorosa mensagem dos 12 Passos — atração e não promoção.
Minha visão na infância, de um grande homem contido na figura do meu tio, não foi um equívoco, foi apenas a visão antecipada — uma visão de esperança —, de uma semente aguardando o momento propício para germinar.
Se o meu amado tio Anônimo, só por hoje, tantos anos depois, ainda evita o primeiro gole, eu, só por hoje, deixo aqui o meu registro de profundo respeito e gratidão por ele, bem como por todas as irmandades de 12 Passos. Agora eu sei, cinquenta anos depois, que no incidente do fusquinha vermelho, a 80 quilômetros por hora — quase voando na pista —, quem estava no controle da direção — e ainda está, só por hoje —, era o Poder Superior, conforme eu O concebo.
Foi então, muitos anos antes de entrar em uma sala de 12 Passos, através da mudança significativa de meu tio Anônimo — transmitida por aquele doce e profundo olhar —, que eu, mesmo sem o saber, vim a conhecer a poderosa, profunda e amorosa mensagem dos 12 Passos — atração e não promoção.
Minha visão na infância, de um grande homem contido na figura do meu tio, não foi um equívoco, foi apenas a visão antecipada — uma visão de esperança —, de uma semente aguardando o momento propício para germinar.
Se o meu amado tio Anônimo, só por hoje, tantos anos depois, ainda evita o primeiro gole, eu, só por hoje, deixo aqui o meu registro de profundo respeito e gratidão por ele, bem como por todas as irmandades de 12 Passos. Agora eu sei, cinquenta anos depois, que no incidente do fusquinha vermelho, a 80 quilômetros por hora — quase voando na pista —, quem estava no controle da direção — e ainda está, só por hoje —, era o Poder Superior, conforme eu O concebo.
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