O Menino Lampião, o Curandeiro Queiros e o Bodoque Encantado

Era uma vez, em um tempo muito, muito distante, um homem dentro de uma floresta, caminhando lentamente à procura de um menino. Era o tempo da guerra da escuridão entre o Reino Grandioso do Norte da Escuridão, o Reino do Norte, e o Grande Reino dos Confins do Sul da Escuridão, o Reino do Sul.

A guerra já durava muitos anos; Lampião, o menino, na medida do possível, procurava esconder-se daqueles dardos mentais negativos disparados pelos do Norte e do Sul, mas, vez por outra, via-se atingido; o ferimento deixava marcas em seu corpo emocional, sentindo-se irritado, angustiado, revoltado, melancólico, deprimido... quando ficava neste estado, muitas vezes, Luz, sua amiga, chegava mais perto dele, e ali juntinho do seu amigo, tentava mitigar um pouco a sua dor, dando um pouco de seu carinho, e sobretudo de sua própria presença.

Estava ele num certo dia neste estado de espirito, sentado no alto de uma colina, observando ao longe um vale distante, lugar de difícil acesso, onde ele não conseguia semear suas árvores. Depois do inicio da guerra entre os dois reinos, eram raras as estrelas no céu, e aquele fato enchia também de tristeza o coração do menino, que amava contemplar os astros brilhantes no firmamento.

A tarde começava a cair, Lampião ouviu então o barulho de passos próximo a ele - provavelmente algum lagarto, ou outro bicho qualquer -, virou-se então para olhar; grande foi a sua surpresa, vindo em sua direção, andando bem lentamente, olhando diretamente para ele - um olhar cheio de amor - um homem avançado na idade; o menino o reconheceu imediatamente: era o feiticeiro Queirós.

- Boa tarde menino Lampião.

- Boa tarde feiticeiro Queirós - respondeu o menino.

- Não precisa me chamar mais de feiticeiro menino, depois de alguns anos em minha própria prisão de pedra, despertei para a vida, e larguei então o ofício trevoso. Se você aceitar minha amizade, ficarei muito grato, e sentirei, sem dúvida nenhuma, muita alegria em meu coração.

Lampião percebia sinceridade no falar e no olhar daquele homem, e olhando diretamente em seus olhos, sem nenhuma palavra, selou para sempre a amizade entre os dois. Luz também se aproximou e lambeu as mãos de Queiros, seu instinto canino dizia para ela que havia um bom homem ali. Queirós sentou-se ao lado do menino, e juntos e em silêncio por algum tempo, ficaram a contemplar o vale distante, e ao longe o horizonte sem fim.

- Como você me encontrou aqui Queirós?

- Segui o rastro de sua angústia e solidão menino, e farejando, como a Luz, cheguei até você.

- A guerra entre os dois reinos não termina Queiros, os tiros de negatividade são constantes, e muitas vezes sou atingido por eles, ficando assim neste estado...

- Neste estado de depressão e vazio de existir menino...

- Sim Queirós, neste estado.

Queirós observava ao redor, o número de árvores que cresciam  ali era incrível, algo de encher os olhos, fruto do trabalho daquele menino e de sua vira lata.

- Lampião?

- Sim Queirós...

- Observo ao longe aquele vale completamente desertificado, por que você ainda não plantou árvores por lá?

- O acesso até ele é muito difícil, com muitas depressões e um terreno montanhoso ao seu redor. Já tentei inúmeras vezes chegar até lá, porém, jamais consegui.

- Consegue para mim uma pequena pedra? - perguntou Queirós ao menino.

- Claro Queirós - respondeu o menino, pegando uma pedra próxima e entregando-a a seu amigo, sem entender muito o porquê.

- Observe agora Lampião...

Queirós então retirou do seu bolso um bodoque, colocou nele a pedra, apontou para o vale, esticou ao máximo as tiras elásticas e arremessou longe, muito longe o projetil.

- Viu onde a pedra caiu menino?

 - Sim Queirós, a pedra atingiu a superfície do vale.

- Consegui menino, colocar uma pedra no vale, sem ter que andar ate lá.

- Sim Queirós...

- Você tem por aí uma semente Lampião?

Desta vez quem enfiou a mão no bolso foi o menino, retirando de lá uma semente, dentre muitas outras. Queirós repetiu o processo... esticou a corda ao máximo, e instantes depois a semente estava alojada em algum lugar do vale. Os olhos do menino brilharam de contentamento.

- O bodoque é um presente para você menino. Sempre que desejar semear no vale, utilize-o. Suas tiras foram fabricadas a partir de látex que estrai na floresta, de inúmeras árvores que você mesmo plantou. Sua elasticidade é incrível, e existe algo extraordinário que você ainda pode fazer com ele.

- Mais extraordinário que semear árvores no vale distante?

- Sim... você tem sido muitas vezes atingido pelos pensamentos negativos gerados pela guerra entre os dois reinos. Estes pensamentos penetram no seu psiquismo levando-o a estados de desânimo e aflição interior. Creio que você consiga perceber estes pensamentos nefastos vagando por aí.

- Sim Queirós, consigo observá-los no céu; são como pássaros negros. Muitas vezes consigo fugir deles, mas, de vez em quando, alguns deles me atingem em cheio.

- Lampião... quando você identificar um pensamento negativo vindo em sua direção, pegue uma pedra, coloque a no bodoque e atire nele, impedindo-o de chegar até você. Vamos observar agora menino... Providencie uma pedra, carregue o bodoque e fique atento com o olhar no céu.

Assim fez o menino Lampião, lá no alto da colina; a noite, aos poucos principiava. Depois de algum tempo Lampião observou o pensamento negativo vindo em sua direção, então, rapidamente mirou, esticou as cordas do bodoque e atirou certeiramente em direção a ele. A pedra atirada, em contato com o pensamento o destruiu de imediato, gerando uma leve explosão, e logo em seguida uma pequenina luz brilhava no céu.

- Fantástico Queirós, fantástico... consegui acertá-lo em cheio. A propósito, que luminosidade é aquela lá no alto.

- Com a destruição do pensamento negativo menino, o grande véu da escuridão diminuiu um pouco, permitindo a você observar uma estrela lá no céu distante. De agora em diante, fique sempre com o bodoque ao alcance de suas mãos, e quando você perceber a negatividade em sua direção, destrua-a, antes que ela, como uma ave do mau agouro, faça ninho em seu coração.

Lágrimas de gratidão brotaram dos olhos do menino, que sem saber o que dizer, apenas sorria, não um sorriso dos lábios, mas sim, um sorriso de profunda gratidão vindo diretamente de sua alma, pelo presente, e sobretudo pela presença amiga do curandeiro Queirós.

- Vigie seus pensamentos negativos todos os dias Lampião, e quando eles vierem em sua direção, utilize o  bodoque para detê-los; com o tempo você perceberá que conseguirá mesmo impedir a chegada deles sem o uso da pequenina atiradeira.

- Como assim Queirós?

- Chegará  o grandioso dia menino, que você mesmo, através de sua consciência interior, deterá a entrada dos pensamentos negativos em seu mundo, então, a partir deste dia, o bodoque somente será utilizado para semear sementes em campos onde seus pés não conseguem pisar.

A noite finalmente havia chegado; Queirós levantou-se do lado do menino, preparando-se para partir. Quando quiser fazer uma visita menino Lampião, terei um imenso prazer em recebê-lo, preciso ir agora.

- Somente estive no seu reino uma única vez, não sei mesmo como cheguei até lá, e creio que não saberia mesmo como encontrar o caminho de volta.

Havia no céu uma estrela luminosa, mais brilhante do que todas as outras.

- Quando precisar menino, siga o brilho daquela estrela, que você certamente me encontrará, ou ainda, na ausência dela, simplesmente ande pela floresta que você, de uma forma ou de outra, acabará encontrando a porta para o reino onde habito; existem inúmeras portas na floresta Lampião.

Queirós virou-se e partiu. No coração do menino ficou a precoce saudade da presença do seu amigo. Então, naquele exato instante, vindo do céu, não se sabe se disparado pelos do Reino do Norte ou do Sul, um sentimento de angústia dirigia-se em alta velocidade, - como uma águia em direção à sua presa - de encontro ao menino Lampião. Este, absolutamente atento, rápida e precisamente, colocou uma pedra no bodoque e de forma certeira, mesmo na escuridão, com suas mãos firmes e olhar atento, disparou e acertou bem no alvo. 

Naquele momento mágico, após a colisão do projétil com o pensamento negativo, mais uma estrela passava a brilhar no céu. Lampião sorriu de alegria e encantamento, seu coração estava agora protegido e em paz, e como o céu, um pouco mais iluminado também.





























Comentários

  1. Você e o menino ( Lampião ou Alecrim), são presentes especiais! Muito obrigada! Uma honra ler este novo episódio da missão do menino semeador e protetor das florestas e da Luz!

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